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Força
São Paulo (SP): Em 20 anos, Força Sindical vai de Collor a Lula
segunda-feira, 14 de março de 2011
Força
João Villaverde
Eleições de 1989, primeiro turno. O maior sindicato da maior cidade do país está totalmente dividido. Enquanto Luiz Antônio de Medeiros, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, apoia a candidatura de Fernando Collor, pelo partido nanico PRN, o 1º secretário do sindicato, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, defende o voto em Leonel Brizola, do PDT, e a base dos metalúrgicos, onde estava João Carlos Gonçalves, o Juruna, quer Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. A vitória de Collor definiu o lado vitorioso entre os metalúrgicos paulistas e influenciou o futuro do sindicalismo brasileiro. Medeiros, então expoente do ‘sindicalismo de resultados’, obteve de Collor a chancela para criar uma central, a Força Sindical, que completa neste mês 20 anos.
Eram tempos de ‘marajás’ e ‘descamisados’, segundo a nomenclatura oficial do então presidente, que se referia aos funcionários públicos como marajás e às massas de trabalhadores como ‘descamisados’. A disputa sindical brasileira estava polarizada em dois grupos: a esquerda petista, sob a Central Única dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983, e o grupo liderado por Medeiros, cujo slogan ‘sindicalismo de resultados’, criado em 1987, servia para contrabalançar o chamado ‘sindicalismo ideológico’ da CUT.
Quando a Força foi fundada, em 8 de março de 1991, o estrategista sindical João Guilherme Vargas Neto escreveu artigo no ‘Jornal do Brasil’ apelidando a nova entidade de ‘a central dos descamisados’. A prática revelou uma central diferente. Quando os reais descamisados reelegeram Lula, a Força apoiou Geraldo Alckmin (PSDB) em 2006. Depois, a partir de 2007, quando o PDT ganhou o Ministério do Trabalho, a Força começou a caminhar na direção de Lula até apoiar Dilma Rousseff no ano passado. Ao mesmo tempo, enquanto a CUT se confundia com o governo petista, a Força assumiu a briga – contra o atual governo – pelo aumento real do salário mínimo. No discurso, uma troca de papéis.
Na época da fundação da Força Sindical, havia críticas à criação e ao funcionamento da central. O então presidente da CUT Jair Meneguelli dizia que a central rival nascera ‘com recursos da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo]’. Um expoente líder dos metalúrgicos do ABC nos anos 90 afirmou ao Valor que, à época, a visita que Collor fez à Medeiros, quando o sindicalista tratava um câncer no hospital, serviu para ‘dar a chancela presidencial à uma central pró-empresários’.
Consultados hoje, os líderes da Força tergiversam: ‘Hoje, é normal ter congressos e seminários com participação de entidades patronais no financiamento, mas na época aquilo era malvisto’, diz Juruna, secretário-geral da Força desde 1998. Procurado pela reportagem, o então presidente da Fiesp Mário Amato preferiu não se pronunciar. Já Medeiros diz que o apoio de Collor e da Fiesp foi ‘apenas ideológico’, uma vez que ‘todos queriam quebrar a hegemonia de esquerda radical da CUT nas negociações trabalhistas’.
Sob a liderança de Medeiros, a Força passou a ocupar um campo totalmente distinto da CUT no movimento sindical e na ação política. Segundo levantamento dos pesquisadores Leôncio Martins Rodrigues e Adalberto Moreira Cardoso, feito com os 1,1 mil dirigentes fundadores da Força, entre os 65 integrantes da cúpula da central, 31,7% votaram em Brizola, 22,2% em Covas, 15,9% em Roberto Freire (PPS), 14,3% em Collor e apenas 9,5% em Lula.
A primeira grande conquista da Força foi a eleição do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Siderúrgica em Volta Redonda – basicamente, os operários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Realizadas em outubro de 1992, em meio ao impeachment de Collor, as eleições contaram com duas chapas: uma, ligada à CUT, defendia não só manifestações anti-Collor, como também passeatas contra o processo de privatização da então estatal, enquanto a outra chapa, ligada à Força, era favorável à privatização. A Força levou, e a CSN foi privatizada em 1993.
Aos olhos do analista de hoje, a participação da Força e seus dirigentes no governo Lula e a entusiasmada defesa da candidatura de Dilma Rousseff, no ano passado, parecem ‘naturais’, pois todas as centrais estão agrupadas no campo governista. Mas essa migração – da crítica à adesão ao governo petista – começou apenas em 2007. Para Artur Henrique, atual presidente da CUT, as ‘idas e vindas’ da Força ocorrem porque o presidente da entidade, Paulinho, é deputado federal pelo PDT. ‘Como ele ocupa a presidência da central ao mesmo tempo em que exerce mandato partidário, as coisas se confundem’, diz Henrique.
Próxima ao presidente Collor, ‘fiadora’ das privatizações de estatais promovidas ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e crítica contumaz do primeiro governo Lula (2003-2006), a Força começa a mudar de lado quando Lula trocou o Ministério do Trabalho de mãos em 2007 – do PT, da CUT, para o PDT, da Força. Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, virou ministro e Medeiros, o secretário de Relações do Trabalho.
Segundo Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e ex-tesoureiro da Força, o ‘clima dentro da central estava pesado nas eleições de 2006’. O sindicalista conta que seu grupo, que defendia a reeleição de Lula, chegou a ser vaiado em congressos promovidos pela entidade. Patah deixou a Força em abril de 2007 para fundar a União Geral dos Trabalhadores (UGT), atualmente terceira maior central do país, atrás de CUT e Força.
Exercendo a presidência da Força desde 1999, quando recebeu o cargo de Medeiros, Paulinho deu à entidade, entendem os sindicalistas, ‘uma cara mais popular’. Em seu segundo ano, em 2000, foi fundado o Sindicato Nacional dos Aposentados, que passou a atuar no Congresso para pressionar por reajustes mais elevados na parcela de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cujas pensões não seguem o salário mínimo. É quando, também, as festas promovidas pela central no feriado do 1 de Maio, em São Paulo, se popularizaram. Criadas no fim da gestão Medeiros, em 1998, as festas da Força promoveram o sorteio de carros e eletrodomésticos, além de contarem com a presença de artistas famosos, como Chitãozinho e Chororó.
Eleito deputado federal em 2006, Paulinho passou a moderar suas críticas ao governo a partir do ano seguinte, quando ingressou na Câmara. Naquele ano, junto com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Lula iniciou as articulações em torno de Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil.
Muitos líderes sindicais afirmaram ao Valor que a mudança no ministério foi bem-vinda. Para o presidente de uma central, a atuação conjunta de Paulinho no Congresso e a dupla Lupi e Medeiros no governo ‘abriram muitas portas para o movimento sindical’.
A coesão de discurso entre as centrais, porém, ocorre mais claramente a partir de abril de 2008, quando Lula autorizou o repasse de 10% do total arrecadado pela contribuição sindical às seis centrais – R$ 250 milhões entre 2008 e 2010. A partir dali, Força Sindical e CUT passaram a aparecer juntas no noticiário.
Segunda maior central do país, com quase 1,6 mil sindicatos filiados (a CUT conta com 1,9 mil), a Força abocanhou a segunda maior parcela do bolo repartido pelo governo Lula – mais de R$ 60 milhões. Com o dinheiro, a Força levantou sedes regionais e ampliou a filiação dos sindicatos independentes – apenas entre abril de 2008 e o início deste ano, a Força filiou duas vezes mais sindicatos do que todo o período entre sua fundação e o início de 2008.
Para Claudio Dedecca, professor do Centro de Estudos Sindicais (Cesit) da Unicamp, a Força nunca perdeu sua orientação de ‘sindicalismo de resultados’, ainda que esteja criticando o início do governo Dilma, que apoiou em 2010. ‘Ao tornar as centrais interlocutores e abrir o Ministério do Trabalho ao PDT, o governo Lula abraçou a Força, que retribuiu com apoio.’