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Mulher
Transição para cargo de conselheira ainda é difícil para executivas
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
Mulher
Em novembro, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) vai divulgar uma nova pesquisa. O levantamento vai mostrar que as mulheres ocupam apenas 7,9% dos assentos nos conselhos de administração de empresas brasileiras listadas na bolsa. Tirando as herdeiras de organizações familiares, esse número cai pela metade. Em 2011, o índice era 7,7%. "O percentual praticamente não mudou nos últimos anos", diz Heloísa Bedicks, diretora geral do IBGC.
As explicações para tamanha disparidade entre gêneros nos "boards" são as de sempre. Há poucas executivas em cargos do alto escalão – apenas 2% dos CEOs no Brasil são mulheres – e isso acaba se refletindo nos conselhos. "Se você tem uma base pequena, há menos mulheres para serem indicadas", diz Andrea Menezes, chefe do escritório de representação do sul-africano Standard Bank no Brasil e uma das líderes do capítulo brasileiro do Women Corporate Directors (WCD), organização global dedicada a acelerar as melhores práticas de governança.
Por que há tão poucas mulheres no alto escalão das empresas? Muito se fala sobre a questão cultural. A mulher ainda é vista como a responsável pela casa e a família e, por isso, não se dedicaria à carreira da mesma forma que o homem. "Há preconceito em relação à sua competência no trabalho", afirma Maria Fernanda Teixeira, membro de alguns "boards" e coordenadora do grupo Mulheres em Conselho, criado para aumentar a diversidade de gênero. "Não se enxerga que os tempos mudaram e que as mulheres exercem diferentes papéis."
Outro ponto a ser levado em conta é a pouca visibilidade das mulheres no mercado de trabalho. Ao conversar com os homens que participam de conselhos, as integrantes do grupo coordenado por Maria Fernanda viram que não existe uma restrição por parte deles em recrutar mulheres. Eles simplesmente acabam indicando pessoas de seu relacionamento profissional mais próximo – e as mulheres muitas vezes não fazem parte desse círculo.
Como cerca de 80% das vagas em conselhos não passam por headhunters – são preenchidas por indicação -, elas acabam ficando de fora. "Os nomes que vêm primeiro à cabeça são os de pessoas com as quais eles interagem mais", diz Maria Fernanda. "Há um viés inconsciente na escolha de homens", explica Marienne Coutinho, uma das líderes do WCD no Brasil.
Na tentativa de dar mais visibilidade a mulheres capacitadas para exercer cargos em conselhos de administração e conscientizar agentes do mercado sobre a importância e os benefícios da diversidade nos "boards", o grupo Mulheres em Conselho, com o apoio do IBGC, do WCD e do IFC (International Finance Corporation), lançou um programa de mentoria. A primeira turma terminou no meio deste ano e este mês começa um segundo grupo.
Ao longo de um ano, cada mulher selecionada pelo comitê se reúne periodicamente com seu mentor- todos com experiência como presidente ou membro de conselho. Para ingressar no programa como mentorada é necessário ter experiência como executiva e exposição como "C-Level".
Leila Loria, uma das 18 mentoradas da primeira turma, tem um currículo de peso como executiva. Foi diretora geral da DirecTV, presidente da TVA e diretora executiva da Telefônica. Quando deixou o grupo espanhol, no ano passado, começou a mudar o foco da carreira para atuar em conselhos. Capacitou-se com cursos de governança e certificação pelo IBGC. Mas a mudança não está acontecendo no ritmo que ela imaginava. "Executivo sempre espera que as coisas aconteçam rápido", diz.
A dificuldade não se dá apenas por questões de gênero, na visão de Leila. "É difícil saber das vagas em conselhos, quando você fica sabendo elas já foram ocupadas. Os processos de seleção de executivos são mais transparentes", diz. Atualmente, Leila integra o conselho do Instituto Coppead (escola de negócios da UFRJ) e de uma empresa da família, além de estar envolvida com o IBGC.
Para Deborah Wright, a transição para a atuação em conselho deu-se em paralelo à carreira executiva. Enquanto presidia a Parmalat no Brasil, em 1999, ela passou a fazer parte do conselho da Batávia, controlada pela empresa italiana. "A Parmalat tinha duas vagas nesse conselho e foi a minha estreia", conta. "Não foi algo planejado, mas uma evolução natural da carreira."
Quando percebeu que estava migrando para a função de conselheira, Deborah tirou a certificação do IBGC e se envolveu em alguns conselhos como atividade pro bono, primeiro na Escola Graduada de São Paulo, onde a filha estudava, e depois no Hospital Samaritano. Mais adiante passou pelos conselhos do Conar e da Lojas Renner. Nesse último, foi presidente do comitê de sustentabilidade por dois anos. Hoje, ela é conselheira consultiva da Eurofarma e participante ativa do WCD e do IBGC.
No caso de Deborah, além da competência e do histórico profissional, o fato de ser mulher ajudou. "Na maioria dos conselhos fui escolhida por ser mulher, justamente porque eles buscavam maior diversidade", conta.
Mariana Tolovi também entrou para um conselho de repente, sem planejar. Diretora executiva comercial e de marketing do Grupo Fleury, ela integra desde 2012 o "board" do Great Place to Work no Brasil, empresa de sua família. Quando o pai e o irmão foram morar no exterior ela entrou no conselho para acompanhar o negócio mais de perto.
Escolhida para participar da primeira turma de mentoria do Mulheres em Conselho, Mariana diz que a experiência a ajudou a melhorar a eficiência do "board" no qual atua. "O conselho não era muito efetivo e com a mentoria consegui sugerir mudanças", diz.
Na outra ponta do programa, os mentores parecem estar mais sensibilizados com a questão da diversidade. Prova de que aprovaram a experiência é que, dos 18 mentores iniciais, apenas três foram substituídos para a segunda turma. "Falta consciência na sociedade em relação à diversidade de gênero no ambiente de trabalho", diz Maria Fernanda. "Quando você fala sobre o tema eles percebem a importância." O WCD, em paralelo, promove eventos trimestrais para ampliar o relacionamento e discutir temas ligados à governança. "Passamos a convidar homens para aumentar a visibilidade das mulheres", diz Andrea.
O fato é que a presença de mulheres nos "boards" aumenta a passos muito lentos. Estimativas mostram que serão necessários 80 anos para atingir o equilíbrio em cargos executivos. Para acelerar esse processo e corrigir a distorção, tramita no Congresso um projeto de lei que institui cotas. O objetivo é atingir 30% de participação feminina em nove anos.
As opiniões se dividem. O IBGC, por exemplo, se posiciona contrário à iniciativa. "Entendemos que é possível fazer outras ações para aumentar o número de mulheres", diz Heloísa. O WCD não tem um posicionamento oficial. Andrea, no entanto, é a favor. "Desde que passei a trabalhar em um banco sul-africano, com cotas de raça e gênero, aprendi como a medida é relevante. Vejo como um instrumento de conscientização, mas que deve ser temporário", diz.
Mais de 20 países já instituíram as cotas. "A parte positiva é que as cotas permitem romper o ciclo de sub-representação das mulheres. É algo que melhora a exposição de profissionais talentosas, já que é preciso se esforçar para buscar as candidatas", diz Mireia Giné, professora de gestão financeira da espanhola Iese Business School. "Há muito talento que está fora da rede de contatos", conclui.