A inflação na Argentina dá sinais de que ficará acima do previsto pelos economistas meses atrás. Isso deverá dificultar a aprovação da reforma trabalhista, prioridade da agenda legislativa do governo de Mauricio Macri neste ano.
No fim do ano passado, o governo anunciou que a meta da inflação para 2018 seria de 15%. À época, economistas privados já duvidavam dessa meta e esperavam alta de preços em torno de 17%. Mas mesmo essa projeção já foi superada, passando agora para 21%.
Fausto Spotorno, da consultoria Orlando J. Ferreres & Associados, diz que as novas projeções se devem menos aos reajustes de tarifas de serviços, como gás e transporte, e mais ao "relaxamento da política monetária". "Em janeiro, o banco central e o governo decidiram baixar a taxa de juros de 28,75% para 27,25%, e isso levou a inflação a subir mais que o esperado nos três primeiros meses do ano." O índice de preços ao consumidor de março foi de 2,3%. O acumulado em 12 meses está em 25,4%.
Uma inflação bem acima do esperado significa que o governo terá dificuldade para negociar reajustes salariais no segundo semestre. Muitos sindicatos aceitaram a proposta de 15% no mês passado, mas querem nova negociação no segundo semestre.
"Embora vários líderes sindicais tenham se curvado à proposta do governo, há pressão muito forte das bases por uma posição mais aguerrida nas negociações futuras", diz Thomaz Favaro, da Control Risks. "Os líderes sindicais certamente não farão campanha pela reforma trabalhista, mas podem não se opor a ela. Um reajuste abaixo da inflação não contribuirá para o humor em apoios futuros."
Importantes sindicalistas, como Hugo Moyano, líder da Confederação Geral do Trabalho (CGT) disseram que continuarão organizando protestos para pressionar o governo por maiores salários.
A reforma trabalhista é prioridade da pauta legislativa do governo neste ano, depois da aprovação das reformas tributária e da previdência, em dezembro. O projeto está orientado para diminuir encargos trabalhistas, reclamação recorrente de empresas que operam na Argentina.
Ramiro Castiñera, da consultoria Econométrica, lembra que a Argentina tem a segunda carga tributária mais elevada da América Latina (30,3%), só atrás do Brasil. "Empresas que querem operar totalmente na legalidade chegam a pagar 50% em encargos", diz. Hoje, em média, cada 100 pesos de salário de um trabalhador formal na Argentina custam ao empregador 150 pesos. Essa diferença de 50 pesos se deve a encargos trabalhistas sobre a folha de pagamento.
A reforma dá ainda um ano para as empresas formalizarem todas as contratações, em troca de anistia de multas para empregadores que operam na informalidade. Hoje existem 4,5 milhões de trabalhadores não registrados no país.
Além disso, busca reduzir riscos associados à contratação de funcionários. Hoje um empregado tem até dois anos depois de deixar a empresa onde trabalha para processá-la. Macri quer reduzir esse tempo para um ano.
Diferentemente da reforma trabalhista brasileira, no entanto, na Argentina as negociações tripartites continuarão. "Não vejo uma nova lei trabalhista como a aprovada no Brasil", diz Julio Burman, da Universidade de Belgrano. "Modificar pontos como negociações coletivas ou contribuição sindical é mais improvável aqui, onde os sindicatos e o peronismo no Congresso são suficientemente fortes para bloquear."
Macri esperava votar a reforma trabalhista no primeiro trimestre, mas a pressão de sindicalistas e a falta de consenso na bancada governista e no Partido Justicialista (peronista, de oposição) levaram o governo a fatiá-la. As principais medidas serão divididas em dois ou três projetos de lei, a serem enviados ao Congresso nos próximos meses. O governo tentará aprovar os principais pontos em junho.
Para Macri, quanto antes a reforma for aprovada, melhor. O próximo ano será de eleições presidenciais, nas quais Macri provavelmente buscará se reeleger e deverá evitar medidas de alto custo político. A aprovação da reforma da previdência, em meio a intensos protestos em dezembro, fez a aprovação ao seu governo cair de 58% para 45%.