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A estratégia inteligente do financismo

sexta-feira, 29 de abril de 2011

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A estratégia inteligente do financismo

Por: Paulo Kliass

Como não dá para criticar ostensivamente a volta da presença do Estado
na esfera econômica a partir do aprofundamento da crise, os
representantes do capital financeiro passam a destilar seu veneno
contra os males da ação pública, com a ajuda do espaço oferecido pelos
grandes jornais.

Paulo Kliass

Em um enfrentamento de médio prazo, as forças políticas e os
defensores de idéias e propostas necessitam estabelecer estratégias de
como se relacionar com os adversários e com o público a ser
convencido. Não basta apenas ter as melhores proposições e tampouco
apenas ser sustentado pela comprovação de que as mesmas são, de fato,
as mais adequadas a uma determinada realidade.

Mais do que isso, é necessário que a maioria das pessoas estejam
convencidas de tal coisa. A questão fica ainda mais complicada quando
se trata de temas de maior densidade técnica, em terrenos
escorregadios, onde poucos se sentem com capacidade e conhecimento
para compreender e debater os fenômenos em foco.

E aqui entram em cena mecanismos fundamentais para a criação de
consensos no interior da sociedade. Infelizmente, ao longo desse
processo, pouco importa se são consensos forjados pelo apego emocional
ou de pouca sustentabilidade racional. Do po nto de vista da lógica
dos defensores das propostas em disputa, o que vale é o resultado
final do embate. Quem ganhou, quem perdeu.

O conceito de hegemonia pode nos ajudar a entender melhor o quadro
atual. Tendo suas origens numa acepção próxima da geopolítica nos
tempos da Grécia Antiga, a noção foi recuperada para o mundo
contemporâneo pelo pensador italiano Antonio Gramsci. E passou a ser
utilizada no campo das ciências humanas em geral. Pode ser vista como
supremacia, influência preponderante, autoridade soberana, liderança
ou predominância. No campo das disputas políticas e ideológicas,
então, revela-se com propriedade para se avaliar as forças e as
potencialidades das idéias.

Os tempos em que vivemos são de forte indefinição. Seja no plano
internacional e dos grandes projetos de construção de alternativas de
sociedades. Seja no plano regional e da construção de blocos
geopolíticos com suas características particulares. Seja no plano
nacional e na definição de um modelo de desenvolvimento inclusivo e
equitativo.

Essa indefinição é ainda mais evidente quando se trata de discutir as
alternativas de política econômica para um país que ainda não integra
o grupo dos chamados “industrializados e desenvolvidos”, em especial
em um momento que se sucede à crise financeira internacional de 2008.
E aqui chegamos ao Brasil, 2011.

O surgimento da crise a partir da seqüência de quebra de instituições
financeiras no mercado norte-americano. A incapacidade do governo
daquele país, dos europeus e demais países industrializados em
encontrar soluções, a partir do ideário até então vigente no circuito
econômico do establishment. A necessidade – criada pelas condições
objetivas do desespero da crise – de recorrer a instrumentos teóricos
e de ação de políticas públicas até ontem considerados heréticos e
irresponsáveis. A superação dos ditames d o Consenso de Washington,
sem passar sequer pelo necessário processo de autocrítica dos
elementos que lhe davam sustentação teórica. O salto do mais puro
estilo do neoliberalismo para uma postura de natureza filo-keynesiana.
A facilidade com que passaram a ser aceitas determinadas idéias, como
as de que nem sempre o mercado apresenta as soluções mais eficientes e
que a ação do Estado pode ser necessária – sim ! – para corrigir
distorções de natureza social e econômica.

Os paradigmas mudaram muito rapidamente nos espaços de tomada de
decisão, mas as cabeças das pessoas que ali estão ainda foram formadas
no antigo pensamento hegemônico da escola superada pela força da
realidade. Dessa forma, assistimos a uma disputa de projetos e idéias
no interior das organizações multilaterais, como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), por exemplo. Assistimos a
longas polêmicas no interior das universidades e dos centros de
pesquis a.

Assistimos a intensos debates entre antigos e novos economistas a
respeito dos rumos e das alternativas de política econômica. Porém, o
tempo de sedimentação das novas formas de encarar o fenômeno econômico
é lento, é o da velocidade da mudança das idéias. E o tempo da tomada
de decisão das autoridades públicas é o do aqui-e-agora, a urgência do
imediatismo necessário para conduzir o País em seu cotidiano.

E aqui entra a estratégia inteligente do financismo. Ao perceber que
não está consolidada ainda uma estratégia alternativa ao modelo
neoliberal, os interesses derrotados pela própria História – que
alguns até afirmaram que havia terminado… – passaram a uma postura
mais defensiva, aguardando os momentos mais adequados para se
manifestar e buscar o caminho da volta por cima. Como não dá, por
enquanto, para questionar abertamente as novas orientações do FMI a
respeito da necessidade de controle de capitais, os repres entantes do
capital financeiro passaram a minar e desacreditar tais propostas por
meio de seu acesso aos grandes meios de comunicação. Como não dá para
criticar ostensivamente a volta da presença do Estado na esfera
econômica a partir do aprofundamento da crise, os representantes do
capital financeiro passam a destilar – pontualmente – seu veneno
contra os males da ação pública, com a ajuda do espaço oferecido pelos
grandes jornais. Como tornou-se impossível continuar proclamando a
panacéia da “solução de mercado” – o suposto livre jogo das forças de
oferta e demanda – para todos os problemas da economia, os
representantes do capital financeiro viram-se obrigados a aprimorar
suas capacidades para criticar todo e qualquer desvio como sendo
intrínseco da ausência da famosa “liberdade de empreender”. Em suma,
uma conduta em que buscam desqualificar o adversário, mesmo sabendo
que não têm alternativas a oferecer no curto prazo, a não ser a preser
vação de seus postos e um envergonhado retorno a um tempo passado, que
à maioria não interessa.

Ou seja, nesse período de disputa hegemônica por novas idéias e novos
modelos, os órgãos da grande imprensa são o palco privilegiado para o
capital financeiro resistir às mudanças e oferecer todas as suas
baterias para desacreditar as alternativas que vão sendo construídas
pouco a pouco. Os grandes jornais e órgãos de comunicação criam uma
verdadeira blindagem a interpretações alternativas para o fenômeno
econômico. Os comentaristas analistas e especialistas ouvidos são
quase sempre os mesmos, repetindo em monocórdio as mesmas
interpretações e apresentando as mesmas sugestões.

Eles próprios constroem o cenário sobre o qual pretendem atuar,
oferecendo a sua própria solução. E a imprensa se encarrega de
reproduzir tal quadro, repetindo os pressupostos ad nauseam e criando
um falso clima de consenso na sociedade. É a tal busca da supremacia
na marra, a construção da hegemonia com características de
artificialidade.

Esse processo é bem visível no debate atual das alternativas de
política econômica em disputa no interior da equipe da Presidenta
Dilma. A toda e qualquer tentativa de apresentar um mecanismo
diferente da elevação da taxa de juros para conter a demanda, o
financismo sai a campo para desmontar a possibilidade. A tática mais
utilizada é a criação de um clima de catastrofismo nos dias que
antecedem às reuniões do COPOM, de maneira a pressionar pela elevação
da SELIC. Os jornais contribuem também ao municiar os leitores com
informações alarmistas a respeito do risco da inflação escapar do
controle. Gritam que a inflação está saindo da meta de 4,5% ao ano,
mas nada mencionam a respeito do intervalo aceitável até 6,5%. Expõem
as previsões para os índices de inflação, mas não analisam a sua
composição para verificar o quanto a taxa de juros é ineficiente para
reduzi-los.

Quando setores do governo reconhecem os prejuízos que nossa sociedade
e nossa economia estão sofrendo com a teimosia de manter a política de
“liberdade cambial”, o financismo vem para as manchetes denunciar os
riscos da intervenção pública no mercado de moedas estrangeiras. De
acordo com as opiniões dos analistas sempre de plantão, o ideal seria
aguardar pacientemente o “dia do equilíbrio final”, quando então a
oferta e a demanda deverão se igualar no mercado de divisas em nossas
terras. A respeito dos riscos e dos custos sociais embutidos nessa
hipótese – desindustrialização, risco nas contas externas – quase
ninguém é chamado a se manifestar nas páginas de economia de nossos
periódicos.

Quando os representantes do capital financeiro vêm a público exigir em
alto e bom tom a redução dos gastos públicos, não há uma única linha
escrita observando que um dos maiores itens de despesa orça mentária
dá-se justamente com o pagamento de juros e serviços da dívida
pública. E que esse tipo de gasto estéril só aumenta ao longo do ano,
a cada decisão do COPOM em aumentar a taxa de juros. E que, ao
contrário, os gastos na área especial apresentam uma taxa alta de
retorno social e econômico, inclusive via pagamento de tributos. Mas
eles insistem na direção oposta: o governo deve cortar os gastos na
própria carne, mas que não ouse tocar no filet mignon das despesas
financeiras!

Em suma, os representantes do capital cumprem bem com a sua tarefa de
criticar marginalmente as decisões do governo sempre que forem
contrários aos seus interesses. E encontram nos órgãos de imprensa um
eficiente mecanismo de ressonância, com a intenção de criar o falso
clima de hegemonia construída na opinião pública.

Um detalhe que não pode passar desapercebido, porém, é que contam com
a boa vontade justamente dos responsáveis pelo go verno nessa sua
empreitada, uma vez que não se encontram vozes suficientes para
criticar de forma efetiva as viúvas do neoliberalismo. Tudo indica que
o temor das ameaças do capital financeiro ainda é muito presente. E
isso contribui para tornar ainda mais lenta a desconstrução ideológica
da ordem antiga e mais difícil a construção de um novo modelo a ser
aceito na sociedade.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

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