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A queda da Selic e outro pibinho em 2012

sexta-feira, 20 de julho de 2012

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A queda da Selic e outro pibinho em 2012

Por: Paulo Kliass

Os níveis estratosféricos da taxa de juros impedem o bom funcionamento da economia real, aquela associada à produção de bens e à prestação de serviços. Mas, e agora? De repente, a SELIC abaixa de patamar e o PIB continua a patinar. O que estaria acontecendo?

Paulo Kliass

A reunião de julho do Comitê de Política Monetária (COPOM), realizada nos dias 10 e 11, decidiu novamente pela redução da taxa oficial de juros do governo. Para a história recente da política econômica brasileira, trata-se da continuidade de queda da taxa e que chama a atenção por seu ineditismo. A orientação de política monetária, adotada desde a implantação do Plano Real em 1994, tem sido pautada pela ortodoxia absoluta. Tanto assim que o Brasil tem preservado, por mais de uma década, o posto de campeão mundial da taxa real de juros – taxa nominal descontada da inflação do mesmo período.

Assim, a partir de 11 de julho a taxa SELIC desceu para o patamar de 8% ao ano. Trata-se da oitava redução consecutiva promovida pelo COPOM, desde a reunião de 31 de agosto do ano passado, quando ela saiu de 12,5% para 12%. Apesar de continuar sendo muito elevada para as referências internacionais, não se pode negar que essa trajetória de queda na taxa poderia contribuir para liberar as amarras que o financismo tem imposto ao desenvolvimento de nossa economia real. E, além disso, abrem-se as perspectivas para que ela seja ainda mais reduzida. Como a reunião do comitê do Banco Central ocorre a cada 45 dias, haverá ainda mais 3 encontros até o fim do ano. Assim, não seria de surpreender caso se confirmem os cenários em que a SELIC feche dezembro em 7%.

A SELIC caiu e o PIB não cresceu

Ora, frente a tal conjuntura, a maioria das pessoas começa a se questionar – o que é muito compreensível, aliás! – a respeito da tão propalada relação entre queda de juros e retomada da atividade econômica. Sim, porque os economistas críticos da adoção dos “modelitos de planilha” como método para compreender a complexidade da dinâmica econômica sempre martelamos nessa tecla. Os níveis estratosféricos da taxa de juros impedem o bom funcionamento da economia real, aquela associada à produção de bens e à prestação de serviços. Mas, e agora? De repente, a SELIC abaixa de patamar e o PIB continua a patinar. O que estaria acontecendo? Realmente, à primeira vista, a situação pode parecer contraditória.

Todos nos lembramos que o desempenho da economia brasileira em 2011 foi pífio: um crescimento do PIB de apenas 2,7%, muito abaixo da performance dos países da América Latina ou dos parceiros dos chamados BRICs. Ao antever esse ritmo reduzido da atividade de nossa economia, a Presidenta Dilma assumiu a responsabilidade de recomendar à equipe de governo uma mudança de rota da SELIC, já desde o ano passado. Essa orientação contribuiu para alterar o estado de espírito de nossa sociedade, quase toda ela conformada com a dependência, de natureza quase química, em relação ao rentismo.

Além disso, houve também uma redução – ainda que marginal, bem pequena – da atratividade das aplicações e m terras tupiniquins para o mercado de recursos financeiros especulativos. Assim, com a queda no ritmo da inundação de recursos externos, a nossa taxa de câmbio recuperou um pouco mais de realismo e logrou uma necessária desvalorização. Por exemplo, em julho de 2011 a cotação do real em relação ao dólar norte-americano chegou a 1,54. Agora, em meados de julho está em 2,08. Se isso se apresentar como uma tendência consistente para o futuro, pode significar melhor capacidade de colocação para nossas exportações e diminuição da concorrência desleal dos importados aqui no setor manufatureiro.

Conseqüências desastrosas do viés ortodoxo

Porém, outras diretrizes ainda deixavam à mostra resquícios de uma orientação conservadora para a saída da crise. No início deste ano o governo anunciou um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União, para assegurar a formação do superávit primário e demonstrar que haveria “seriedade e rigor” no controle dos gastos públicos. Pura balela! Afinal a própria peça orçamentária reserva mais de 40% de suas receitas para o pagamento de juros e serviços da dívida pública. E não custa nada repetir: recursos não faltam! Muito pelo contrário, eles sobram. O problema é que as despesas de natureza financeira são consideradas intocáveis, recobertas por uma espécie de manto de santidade e de cumprimento obrigatório. Essas rubricas são pagas pontualmente, sem nenhum questionamento ou atraso. No outro extremo, vítimas de um tratamento nada VIP, estão as demais despesas governamentais: pagamento de pessoal, benefícios da previdência social, gastos com saúde, despesas com educação, projetos de investimento, etc. Nesses casos a orientação permanece sendo a da má vontade, a do retardamento, a do contingenciamento de verbas. Sempre acompanhados do discurso surrado da “ausência de recursos”.

Some-se a esse quadro a nossa problemática ”sino-dependência”. Boa parte da atual estratégia de inserção internacional do Brasil está baseada nas exportações para o gigante asiático. Independente de outras avaliações a respeito da justeza ou não de tal opção de comércio exterior, o fato é que a importância das compras chinesas cresceu bastante com a recessão nos Estados Unidos, Europa e demais parceiros do mundo desenvolvido. Esses países reduziram suas importações de forma geral e a participação relativa da China em nossa pauta exportadora terminou por ganhar ainda mais relevância. Porém, a partir do ano passado a própria economia chinesa foi obrigada a passar por alguns ajustes, dada sua dependência em relação aos países centrais em crise. Com a redução do ritmo de crescimento de seu PIB para “modestos” 9,2% em 2011 e a previsão de “apenas” 7,6% para o ano atual, isso afetou também sua demanda pelas importações de produtos brasileiros. E esse movimento significa redução do ritmo de produção e atividade econômica aqui em nosso País.

Juros: “spreads” elevados e inibição da economia real

É importante ressaltar também a enorme distância existente entre as margens de redução da SELIC e o custo efetivo do crédito no balcão dos bancos. Durante algumas semanas no mês de abril, o governo fez um grande alarde a respeito da utilização do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal (CEF) para forçar uma redução das taxas de juros cobradas pelos bancos privados. Apesar dos avanços obtidos naquele momento, o fato é que as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras continuam sendo absurdas. O próprio Ministro Mantega ensaiou algumas críticas no mês de maio aos elevadíssimos “spreads” praticados pela banca privada, mas depois o assunto foi, aos poucos, sendo deixado de lado. Há poucos dias, um levantamento1 mostrou que as taxas exigidas, por exemplo, no saldo negativo de cartão de crédito chegam a 323% anuais – uma loucura para uma instituição financeira que capta recursos a 8% ao ano. Os custos dos empréstimos para pessoa física e pessoa jurídica continuam elevados, com a conseqüente redução no ritmo de consumo corrente das famílias e dos investimentos empresariais. Outro fato que chama bastante a atenção é a passividade do Banco Central no tratamento da questão. Dada sua condição de órgão fiscalizador e regulador do sistema financeiro, aquela instituição tem a obrigação de adotar medidas para evitar esse tipo de abuso de poder econômico por parte dos bancos privados. Mas, infelizmente, nada é feito a respeito.

Diante desse quadro, apesar da queda na SELIC, o ritmo dos investimentos realizados pelo setor privado não avançam muito. O quadro de incertezas face à natureza assustadora da crise internacional contribui também para tal passividade. Os potenciais iniciadores de novos empreendimentos entram em uma espécie de compasso de espera, “esperando prá ver como é que fica”. O resultado desse conjunto de fatores é que a economia brasileira não deslanchou como poderia e como se esperava. Como o setor público não foi chamado a atuar de forma mais incisiva, as políticas de contenção de despesas ainda apresentam seus efeitos negativos. Assim, as projeções iniciais de crescimento do PIB para o ano de 2012 foram definhando a cada novo mês.

PIB de 2012: previsões cada vez piores

No final de 2011 e início desse ano, o governo adotava o discurso uníssono em torno da necessidade de superar a debilidade do ano passado e recuperar a trilha da atividade econômica consistente com as necessidades do País. A previsão oficial era de um crescimento do PIB de 4,5%. Essa era a meta constante na Lei de Diretrizes Orçamentárias, na Lei do Orçamento Anual e em todos os documentos governamentais. No entanto, pouco a pouco, a dinâmica da economia real passou a demonstrar que as expectativas do governo não lograriam se concretizar. A observação periódica do desempenho dos principais indicadores econômicos obrigava a uma revisão da meta, pois o próprio governo não contribuía com sua parte – promovia redução de gastos públicos e confiava cegamente no sucesso da caracterização do “bom-mocismo” da austeridade fiscal rigorosa.

A realidade não tardou a apresentar seus resultados. A economia rateava e o crescimento efetivo ficaria mesmo bem distante do almejado. Em maio desse ano o Ministério da Fazenda acaba cedendo às evidências: o segredo de polichinelo foi revelado e a meta oficial foi reduzida para 4%. Logo depois, o próprio Banco Central, que trabalhava com uma meta ainda menor de 3,5%, também acaba sendo obrigado a se render à realidade dos fatos. E reajusta sua meta de crescimento do PIB para 2,5%. Tendo já passado mais da metade do ano, as previsões podem ser feitas com mais segurança e muitas delas já trabalham com a hipótese de apenas 2%. Em síntese, um desempenho muito abaixo do possível e do necessário.

Mais uma vez o Brasil perde a oportunidade de dar um passo importante no caminho de aprofundar o desenvolvimento econômico. Enquanto os países do grupo dos BRICs continuam a crescer, aqui em nossas terras deveremos fechar o biênio 2011/12 com uma média anual de apenas 2,3% para o crescimento do PIB. A China deverá chegar a 8,4%, a Índia a 6,3% e a Rússia a 3,9%. Ou seja, todos bem acima de nosso fraco desempenho. E por aqui agora a situação deverá ficar ainda mais complicada, pois é sabido que a capacidade arrecadadora do Estado depende do nível da atividade econômica. Crescimento baixo significa queda na receita obtida com os tributos.

Uma das lições que ficam é que não basta apenas baixar a taxa oficial de juros. O governo deve atuar de forma mais incisiva para reduzir o custo efetivo dos empréstimos, de maneira a evitar o alto endividamento das famílias e estimular os novos empreendimentos. Por outro lado, é essencial romper a lógica financista do superávit primário e retomar a iniciativa dos investimentos públicos de forma a assegurar os níveis da demanda agregada, por meio da geração de emprego e do aumento da renda. Continuar com a política ilusionista e subserviente de fazer apenas agrados e afagos ao grande capital privado nacional e multinacional não tem resolvido a questão. Não podemos depender apenas das decisões desses grupos, pois está mais do que demonstrado que eles não se movem apenas pela sedução tentadora proporcionada por algumas benesses oferecidas pelo Estado.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10

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