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A resistência do financismo
quinta-feira, 26 de abril de 2012
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Os bancos privados plantam “estudos sérios” pelas editorias de economia dos meios de comunicação, onde pretendem mostrar que a maior parcela do “spread” cobrado pelos bancos é causada pela inadimplência e pelos tributos. Mas a verdade dos fatos aponta para outra direção.
Paulo Kliass
No início da campanha para as eleições presidenciais na França, o candidato socialista François Hollande saiu-se com uma declaração que reflete bem o poder real exercido pelo mundo das finanças nos tempos atuais. Cercado por países da União Européia que tiveram seus governantes pressionados pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) a aprofundarem as receitas recessivas para a crise econômica, o candidato radicalizou, afirmando:
“Meu adversário, meu verdadeiro adversário, não tem nome, rosto ou partido. Nunca apresentará sua candidatura e, por conseguinte, não sairá eleito. No entanto, esse adversário governa. Esse adversário é o mundo das finanças.”
Parece óbvio que tal constatação pode ser aplicada também para países que estão mais afastados do epicentro da crise européia. Aliás, uma das principais características do capitalismo contemporâneo é justamente essa tendência à supremacia do setor financeiro sobre os demais ramos de atividade econômica – a chamada financeirização da sociedade. A ponto de nos causar esse receio, tão bem expresso pelo pretendente do PS francês. Por outro lado, um aspecto que chama a atenção é a profunda amarração de interesses entre esse setor e os espaços de tomada de decisão na esfera do Estado. E também a entranhada articulação com os centros de formação de opinião, a exemplo das corporações dos meios de comunicação.
As verdades são criadas, as versões transformam-se em dogmas inquestionáveis e as soluções apresentadas como “técnicas e neutras” são vendidas como fatos consensuais e elementares no meio dos supostos especialistas. É disso que se trata quando a absoluta maioria dos jornais, rádios, canais de televisão e revistas semanais apresentam quase sempre a mesma opinião sobre temas tão sensíveis para a política econômica. As fontes consultadas s ão as de sempre e a opinião dos economistas só reflete aquela dos profissionais vinculados ao “establishment” financeiro. E assim são gerados os famosos mitos e tabus:
i) o superávit primário é uma necessidade inescapável; ii) a política de metas de inflação deve sempre mirar o centro, esquecendo-se da margem flexível; iii) não há evidências de processo de desindustrialização em nosso País; iv) a desoneração da folha de pagamento é uma exigência para aumentar a eficiência de nossas empresas; v) o aumento do salário mínimo é o principal responsável pela perigosa elevação dos gastos públicos; vi) o “mercado” exige tal ou qual decisão por parte do COPOM; vii) os níveis do “spread” bancário praticado em nossas terras está no mesmo patamar do resto do mundo. E por aí vão as abobrinhas sempre repetidas “ad nauseam”, mas contribuindo para a (de)formação da opinião pública a respeito de tais assuntos.
A resistência em baixar os juros
A conjuntura atual pode ser interpretada à luz de tais instrumentos. Todos nos lembramos da recente decisão assumida pela Presidenta Dilma, no sentido de que os bancos públicos oficiais tomassem a iniciativa de reduzirem as taxas de juros em suas operações na ponta, com os clientes. Isso porque estava mais do que óbvio que as sucessivas reduções na taxa SELIC não estavam sendo sentidas pelos indivíduos e empresas em suas operações do dia-a-dia com o sistema financeiro. Finalmente, depois de quase uma década, parecia que a esperança havia superado o medo. Porém, passados alguns dias, o que se percebe é que até o momento houve muito estardalhaço, mas a ação efetiva ainda deixa muito a desejar.
A Caixa Econômica Federal (CEF) foi um pouco mais ativa em seguir a recomendação, mas o Banco do Brasil (BB) continuou a divulgar muito e fazer pouco. Os argumentos são os mais estapafúrdios, dentre eles o fato do BB ter suas ações cotadas nas Bolsas de Valores e, portanto, não poder reduzir o seu “spread” e seus lucros. É inconcebível que uma empresa estatal, subordinada ao Ministério da Fazenda (MF), se recuse a cumprir orientações superiores, em especial quando se trata de reforçar sua característica de instituição pública.
A reação do sistema financeiro privado também foi imediata. Temendo a concorrência a ser colocada em ação pela CEF e pelo BB, a banca privada saiu em campanha contra a decisão do governo. O atual presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, declarou que os bancos privados estavam operando no limite de sua rentabilidade e não tinham condições de reduzir o “spread” praticado – coitadinhos…. Com isso, os banqueiros tentavam passar o recado, por meio de seu interlocutor institucional, de que haviam feito tudo que podiam e que, para avançar mais, precisavam de mais benesses, e que a partir de então “a bola estava com o governo”. A estratégia pegou mal e parece que só teria reforçado a disposição da Presidenta em seguir com a queda de braço. Veremos a seqüência dos acontecimentos.
Sobre a intrincada relação de interesses, vale recordar que Murilo Portugal ocupou cargos de primeira linha nos governos de FHC/Malan e Lula/Palocci. Foi Secretário do Tesouro Nacional (1992-96), foi indicado pelo governo brasileiro para ocupar cargo de diretor junto ao FMI e ao Banco Mundial (entre 1998 e 2005). E desde 2006 se apresenta como funcionário do próprio FMI. Em 2011, ele substituiu o também economista Fábio Barbosa no comando da federação dos banqueiros, que por sua vez passou a ocupar o posto de Presidente Executivo do Grupo Abril. É impressionante a dança das cadeiras entre postos-chaves no governo, no sistema financeiro e nas comunicações.
Margens dos bancos são muito elevadas
Os bancos privados plantam “estudos sérios” pelas editorias de economia dos meios de comunicação, onde pretendem mostrar que a maior parcela do “spread” cobrado pelos bancos é causada pela inadimplência e pelos tributos. Ora, a verdade dos fatos é que, ao longo dos últimos anos, as instituições financeiras sempre se mantiveram em primeiro lugar no quesito “lucros anuais” das empresas atuando por aqui. Apenas alguns exemplos recentes são bem ilustrativos. Em 2011, os 10 maiores bancos registraram um lucro líquido acumulado de R$ 58 bilhões. Em 2010, dos 10 maiores lucros apresentados por empresas no Brasil, 8 eram relativos a bancos, que ocupavam da terceira à décima posição. Em 2009, dos 10 maiores lucros, 7 eram proporcionados também pelas instituições bancárias. Além disso, estudo recente realizado pelo DIEESE demonstra que os níveis de “spread” aqui praticados são imensos.
Ora, com tal performance não há muito do que reclamar. A verdade é que a obtenção de tal rentabilidade está completamente associada a alguns fatores, todos derivados da enorme concentração de poder entre alguns agentes gigantes do setor. A falta de regulação e fiscalização do órgão responsável, o Banco Central (BC), sempre deixou os bancos completamente à vontade para praticarem suas políticas empresariais extorsivas sobre o conjunto da sociedade. Por outro lado, a política monetária de juros elevados levou, ao longo de décadas, ao crescimento desproporcional do segmento. Finalmente, a passividade frente aos abusos cometidos em termos de “spread” e tarifas sobre serviços propiciou esse injustificável volume de acumulação de ganhos no setor financeiro.
Se a Presidenta pretende mesmo marcar sua presença na história brasileira como sendo patrocinadora de um ponto de inflexão da financeirização, deve continuar enfrentando os interesses do financismo – a assim chamada “guerra dos juros”. Ao contrário da imagem acima usada por Hollande, as finanças têm cara, nome e endereço aqui nestas terras ao sul do Equador. Aliás, tudo é até muito perigosamente mesclado com a formulação e a implementação de políticas de Estado, nessa terrível tradição de misturar os espaços do público e do privado. Basta lembrarmos a recente passagem, por oito longos anos, do ex-presidente internacional do Bank of Boston, Henrique Meirelles, ocupando a cadeira da presidência do Banco Central, a convite do próprio Lula.
Amplo apoio social e político para Dilma sustentar tal empreitada não deverá ser um problema, a exemplo do que ficou demonstrado ao longo dos primeiros dias do anúncio de sua vontade de baixar os juros. O problema é a disposição em dar continuidade a essa política, forçando o BB a baixar efetivamente seus juros e obrigando o BC a baixar medidas q ue tornem viável a portabilidade no interior do sistema. E, principalmente, forçando a situação política para que os bancos incorporem essa mudança de rentabilidade em seus balanços e passem a praticar margens menos abusivas sobre seus clientes. A leitura dos resultados dos grupos do setor financeiro evidencia que há muito espaço para, como eles mesmo gostam de usar no jargão do mercado, levar a cabo a queima de suas gordurinhas.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.