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A taxa Selic e os juros dos bancos
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
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A SELIC não é o único fator responsável pelo alto lucro dos bancos e pelo elevadíssimo custo dos empréstimos tomados junto ao sistema financeiro. O que contribui sobremaneira é a facilidade com que os bancos super-exploram seus clientes, sem que as autoridades governamentais tomem qualquer medida para coibir os abusos cometidos.
Paulo Kliass
Ao longo do mês de outubro é comum começarem a aparecer os resultados dos bancos relativos aos três primeiros trimestres do ano – o período que vai de janeiro a setembro. E os números apresentados podem servir como previsão para os obesos lucros a serem anunciados pelas instituições financeiras operando em nossas terras para o conjunto do exercício de 2011. Como tem sido uma constante ao longo dos últimos anos, a cada anúncio são revelados novos recordes! Nada surpreendente, se levarmos em conta que vivemos sob uma ditadura mal disfarçada do capital financeiro. Tão ou mais poderoso quanto o capital do agronegócio e o das comunicações. Essa é a trinca que verdadeiramente parece mandar e comandar o País.
Para esses primeiros nove meses do ano, a medalha de ouro foi para o Bradesco, com a bagatela de R$ 8,3 bilhões de lucro líquido. Para o mesmo período do ano passado, porém, o Itaú havia ultrapassado o concorrente, tendo al cançado um lucro líquido de R$ 9,4 bilhões. Nunca antes na história desse País as instituições financeiras ganharam tanto dinheiro! E de modo tão fácil. Não é por acaso que os 10 maiores recordes de lucro para esse 3 trimestres ocorreram nesse período mais recente, entre 2007 e 2011. A maior parte da farra ficou por conta da duplinha dinâmica Itaú e Bradesco, que alcançaram o pódio 7 vezes. Já o Banco do Brasil chegou à frente por 3 ocasiões.
Se calcularmos o lucro líquido do Bradesco em termos de dias úteis, chegaremos à cifra de R$ 44 milhões diários. Ou seja, R$ 5,4 milhões por hora trabalhada e R$ 90 mil por minuto. No limite, o lucro líquido sendo acumulado na base de uma gotinha de R$ 1.500,00 por segundo. Nada mal para uma atividade que não produz nenhum bem tangível e que ganha apenas na especulação irresponsável com recursos de outrem.
É amplamente sabido que uma das principais fontes de ganhos do setor financeir o é a política monetária de juros estratosféricos levada a cabo pelos diversos governos ao longo das últimas décadas. E em especial a partir do Plano Real, em que a estabilidade macroeconômica foi buscada a qualquer custo, em especial pela rigidez ortodoxa da taxa oficial de juros lá em cima. No entanto, essa não é a única razão. A definição da taxa SELIC pelo COPOM em patamares que a qualifica como a mais alta do planeta provoca distorções enormes em nossa economia. Ela opera como uma taxa referencial de remuneração financeira e de rentabilidade negocial de uma forma geral na sociedade. E isso provoca uma verdadeira contaminação da cabeça e do comportamento de indivíduos, empresas e do próprio governo.
Ninguém aceita uma rentabilidade menor do que 12% nominais ou por volta de 6% reais ao ano. Com isso, é reforçada a tendência à financeirização da nossa sociedade, pois esse tipo de cálculo de retorno passa a ser considerado algo den tro da “normalidade” sócio-cultural de nosso padrão comportamental.
Além disso, a taxa oficial elevada contribui para reduzir o crescimento futuro da economia, pois inibe a taxa de investimento pelo alto custo dos empréstimos. Para os setores próximos do poder, surge a generosidade das taxas subvencionadas oferecidas pelo BNDES, sobre cujos empréstimos incidem os juros da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente na faixa de 6% ao ano. O pagamento da diferença dessa conta fica com todos nós, via despesa do orçamento da União. A SELIC tão alta constitui, por outro lado, forte atrativo para a avalanche de capital especulativo que para cá vem de todos os cantos do mundo, sobrevalorizando nossa taxa de câmbio e contribuindo para déficit nas contas externas. As exportações de bens manufaturados são prejudicadas e inundamos nosso mercado com produtos manufaturados de baixa qualidade importados de outros países, em especial da China. Nossa eco nomia se desindustrializa a olhos vistos!
De outra parte, é importante registrar que um dos efeitos mais deletérios da SELIC nas alturas é o comprometimento substantivo do quadro orçamentário para o pagamento de juros e serviços da dívida pública. Com a busca cega do cumprimento das metas de superávit primário, a sociedade termina por sacrificar despesas vitais e essenciais com saúde, educação, infra-estrutura e similares para destinar recursos públicos para um setor bastante reduzido que se beneficia do parasitismo financeiro.
Mas a SELIC não é o único fator responsável pelo alto lucro dos bancos e pelo elevadíssimo custo dos empréstimos tomados junto ao sistema financeiro. O que contribui sobremaneira é a facilidade com que os bancos super-exploram seus clientes, sem que as autoridades governamentais tomem qualquer medida para coibir os abusos cometidos. O mais grave deles, com certeza, está associado à diferença das taxas prat icadas pelo sistema financeiro. De um lado, a remuneração oferecida aos clientes pelas aplicações ali efetuadas. De outro lado, as taxas cobradas desses mesmos clientes quando da tomada de empréstimos. Trata-se do famoso “spread” bancário, quesito no qual nosso País também é campeão mundial.
Resolvi verificar os valores em um extrato, para oferecer números bem objetivos. No caso, a instituição bancária oferecia a remuneração de 10% ao ano para recursos deixados depósitos em fundos financeiros administrados pelo conglomerado. No entanto, se o cliente necessitasse entrar no chamado “cheque especial” por alguma emergência ou problema de caixa, o mesmo banco cobrava a taxa de 207% ao ano pelo recurso solicitado! Uma loucura! Essa brutal diferença entre as taxas nas diferentes operações é um absurdo. E o pior é que tal fato tem contado com a complacência e até mesmo com o estímulo dos sucessivos governos, que nada fizeram para imprimir ao Banco do Brasil (BB) e à Caixa Econômica Federal (CEF) um comportamento de bancos efetivamente “públicos” – como deveriam ser – no mercado financeiro.
Assim, além da pressão para reduzirmos a SELIC de forma efetiva, faz-se necessário um movimento na direção de exigir que os bancos que são propriedade do governo federal mudem drasticamente seu comportamento empresarial. E isso passa pela redução do “spread” cobrado nas operações, na redução das abusivas taxas cobradas pelos serviços prestados e no estabelecimento de uma conduta de bancos que prezam pelo interesse da comunidade e não pela busca tresloucada de lucros a qualquer preço. Não tem o menor cabimento que o BB e a CEF se apresentem aos clientes com o mesmo “modus operandi” que seus concorrentes privados, como Itaú, Bradesco e outros.
Caso contrário, corre-se o risco de obter uma vitória importante na redução da SELIC sem que sejam sentidos os impactos na c obrança das taxas no balcão de atendimento dos bancos. Os impactos macroeconômicos acima citados, derivados da redução da taxa oficial, serão bem vindos, é claro. Haverá mais recursos orçamentários para gastos prioritários. Mas o custo dos empréstimos a ser contratado por empresas, famílias e indivíduos continuará sendo muito alto. Aqui, nesse caso, o governo deve atuar na linha de orientar os bancos federais a reduzirem de forma drástica suas margens de “spread”. Com isso, os grupos privados serão constrangidos a adotar o mesmo caminho, caso não queiram perder a clientela para as instituições públicas que ofereceram taxas mais aceitáveis nos empréstimos.
Finalmente, deve caber ao Banco Central, bem como aos demais órgãos do governo atuantes na área econômica, a elaboração de normas e regras visando a defesa do lado mais frágil na relação dos agentes econômicos com as instituições financeiras. E isso significa voltar a divulg ar as pesquisas a respeito dos “spreads” cobrados pelos bancos e no estabelecimento de limites para essa prática abusiva.
O sistema financeiro é um exemplo bem característico daquilo que os manuais de economia chamam de “mercado assimétrico”. Ou seja, uma situação em que os agentes de oferta e os agentes de demanda encontram-se em evidente desigualdade de condições para fazer valer a sua vontade. Sim, pois ao contrário do que chegou sugerir o ex-presidente Lula em abril de 2005, o problema dos juros altos não é a “falta de vontade do brasileiro em levantar o traseiro da cadeira” [1] para procurar uma taxa mais baixa. Os bancos privados exercem um jogo de oligopólio e contam com a solidariedade dos bancos públicos nessa manobra. Nesse caso, cabe ao poder público uma atuação no sentido de evitar o abuso de poder econômico dos grandes conglomerados. Ou seja, é necessário ainda mais presença do Estado do que simplesmente a orientação aos integrantes do COPOM para que reduzam a SELIC.
NOTA
[1] Ver: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/67673
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10