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Ainda há espaço para bancos bons?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

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Ainda há espaço para bancos bons?

Por: Paulo Kliass

Qual o cliente que não se sente lesado por estar pagando mais de 200% ao ano em cada momento que entra no vermelho em sua conta corrente? Qual empresário industrial não se sente prejudicado com as absurdas taxas cobradas em seus empréstimos, em níveis muito superiores à já elevada taxa oficial da SELIC?

Paulo Kliass

A péssima imagem do financeiro

Um dos problemas derivados da profunda crise por que passa o sistema econômico mundial nos tempos atuais é o aumento contínuo da descrença em suas próprias instituições. Como a face mais evidente e mais importante do sistema globalizado é a do universo financeiro, todas as ações e organizações a ele ligadas acabam tendo sua própria credibilidade colocada em xeque. Falou em qualquer coisa que leve o adjetivo “financeiro”: pronto! Entrou em estado de “desgraça”.

A coisa acaba ficando mais complicada, pois nas manchetes do mal-feito acabam confundindo-se todos os elementos do próprio sistema. A crise foi provocada pela ação irresponsável das grandes corporações financeiras. Os maiores beneficiários da crise são os grandes bancos. As bolsas de valores e de mercadorias representam o lócus por excelência da especulação financeira.

A crise teve início com o sistema das hipotecas no mercado imobiliário estadounidense, onde a incapacidade de honrar os compromissos dos empréstimos era mascarada pelos mercados de títulos secundários. A solução para o fenômeno evidente da bolha do mercado de imóveis era empurrada com a barriga, por meio do lançamento de mais operações, envolvendo maior risco, como nos jogos de pirâmide. As agências de “rating” – que deveriam bem avaliar o risco embutidos nas operações financeiras – exercem, ao contrário, função ativa no processo da especulação. Os esforços realizados pelos governos dos Estados Unidos e da Europa têm sido na direção do salvamento dos bancos, sempre à custa de sacrifício imposto à maioria da população. E por aí vai.

E nessa toada, acaba-se correndo o risco de generalizações que, muitas vezes, acabam por dificultar a análise concreta de cada caso, de cada agente, de cada instituição. Apenas demonizar o conjunto das instituições do sistema financeiro, por conta da crise e do comportamento mais visível de seus gigantes, é algo que não contribui para bem compreender a dinâmica de funcionamento da economia contemporânea. Na verdade, seria uma atitude similar a condenar o conjunto das atividades do setor da agricultura, por exemplo, em razão do comportamento predatório do latifundiário plantador de soja transgênica. Ou então de denunciar todo o ramo da indústria de confecções em função dos conhecidos empresários que realizam o seu lucro com base na exploração do trabalho escravo. Ou ainda responsabilizar todas as empresas atuantes no ramo da construção civil pela ação irresponsável das grandes e conhecidas construtoras na área da construção residencial ou das grandes obras encomendadas pelo setor público. Ou mesmo uma condenação de qualquer tentativa de constituição de novos agentes na área de comunicação, dada a péssima atuação dos integrantes do oligopólio atual em televisão, rádio, imprensa escrita, etc.

A atividade bancária em suas origens

No caso do sistema financeiro, a identificação mais imediata que realizamos em nosso imaginário é com as instituições bancárias. A formulação da falsa identidade “financeiro = banco” termina por criar um sentimento contra os bancos, de natureza quase figadal por parte da maioria da população (ainda que perfeitamente compreensível, em função da ação concreta da maior parte deles). E, assim, surge a pergunta que não quer calar, embutida no título: mas, afinal, não haveria mais espaço para atuação de “bons bancos” em nossa economia?

Para ensaiar algum caminho de resposta, seria necessário buscar compreender melhor qual a função do banco na economia capitalista. Na verdade, a função clássica e tradicional das instituições bancárias é o da concessão de crédito e de empréstimos. Em sua versão mais tradicional, o banco recolheria os recursos monetários sobrantes na sociedade em determinado momento, ou seja, a chamada poupança. Os indivíduos, as famílias, as empresas e até mesmo o Estado deixariam ali os valores que não foram consumidos em suas contas bancárias (por oposição à imagem de deixar o dinheiro debaixo do colchão). Em tese, para assegurar que os recursos fiquem por mais tempo sem movimentação, os bancos podem oferecer uma remuneração, que se efetua com base na taxa de juros que eles oferecem aos depositantes. No jargão do financês, são as assim denominadas “taxas de juros passivas”. Na outra ponta, estariam os chamados agentes econômicos que necessitam de mais recursos do que dispõem para suas atividades – os tomadores de empréstimos. E eles se dirigem aos bancos, que justamente oferecem os valores que os demais haviam deixado para depósito. No caso, a concessão do crédito envolve a cobrança das “taxas de juros ativas” – normalmente maiores do que as anteriores. A diferença entre ambas é o chamado “spread” e serve como base para constituição dos ganhos da atividade bancária.

Assim, em uma versão assim simplificada, os bancos podem vir a cumprir uma função importante na economia: a de intermediação de recursos monetários. Mas por se tratar de um setor sensível e estratégico, a atividade bancária quase sempre esteve sujeita à regulação e à fiscalização do poder público. Afinal, o banco opera com aquilo que não é seu. Ele recolhe valores de uns e empresta esses mesmos recursos para outros. Com o agravante de que ele pode até emprestar mais do que tem em sua carteira. Ele teria o poder, assim, de criar moeda de forma, digamos, artificial. É o que no financês se chama de “multiplicador bancário”. O risco desse tipo de possibilidade é o da chamada “corrida bancária”: se todos que aplicaram na instituição forem reclamar o seu depósito ao mesmo tempo, o banco não tem como honrar os compromissos. É por isso que os órgãos de regulação do sistema financeiro estabelecem o “depósito compulsório”. Ou seja, uma parte do valor depositado fica retida junto à autoridade monetária e o banco não pode usar para emprestar. É uma tentativa de reduzir o risco da exposição bancária exagerada.

Assim, em condições de boa regulação e operando com taxas de ganho razoáveis, é possível que a atividade bancária cumpra seu papel de forma adequada na economia contemporânea. Isso significa intermediar recursos de quem poupa e emprestá-los a quem deles necessite. E menciono aqui dois casos típicos em que a atividade pode muito bem cumprir sua função social, até de forma relevante e saudável. Trata-se dos bancos públicos e das cooperativas de crédito.

Bancos públicos podem ser diferentes

O comportamento empresarial dos bancos públicos é definido por seu dono, o governo. Ora, se a autoridade pública tiver interesse em moralizar as atividades desenvolvidas no interior do sistema financeiro, nada mais adequado do que utilizar os bancos de sua propriedade para tanto. No Brasil, o governo federal é acionista majoritário de duas das maiores instituições bancárias: o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF). Além disso, detém também a capacidade de comando sobre outras importantes instituições de empréstimo e crédito: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os bancos de desenvolvimento regional – Banco da Amazônia (BASA) e o Banco do Nordeste (BNB).

Ora, com um potencial de influência de mercado como esse, o que falta é apenas a vontade política de transformar a prática e a gestão das instituições bancárias. Por exemplo, decidindo diminuir o “spread” cobrado em suas operações de crédito, onde chegam a impor ao cliente diferenças abissais entre o juro que eles remuneram e o juro que eles recebem. Ou ainda reduzindo de forma drástica os ganhos com as tarifas abusivas cobradas pelos serviços oferecidos. Ou então estabelecendo regras para não mais enganar a clientela com oferta de produtos financeiros escandalosamente irresponsáveis e especulativos. Assim, os bancos estatais poderiam recuperar sua credibilidade pública e contribuir para que a própria concorrência privada fosse obrigada a redefinir seu “modus operandi”, sob pena de perder parte da clientela. Nada justifica que o BB ou a CEF apresentem resultados escandalosamente elevados em seus lucros anuais. Por serem bancos de propriedade do governo federal, seria de se esperar que fossem obrigados por este a que melhor cumprissem com sua missão: prestar um serviço ao conjunto da sociedade de menor custo e de melhor qualidade.

A alternativa das cooperativas de crédito

O outro exemplo é o das cooperativas de crédito. Trata- se de uma importante experiência histórica no movimento bancário em todo o mundo. Boa parte do sistema financeiro europeu atual, por exemplo, tem suas origens no movimento cooperativo, que surge ainda no final do século XIX e início do século XX em países como Alemanha, França, entre outros. Na maioria dos casos, a iniciativa estava vinculada a cooperativas ligadas à atividade agrícola. E que depois, pouco a pouco, foram ampliando a sua área de atuação. No caso brasileiro também houve momentos de fortalecimento desse tipo de alternativa de financiamento. No entanto, a falta de controle dos órgãos públicos envolvidos e a ausência de transparência no interior das próprias cooperativas de crédito terminaram por manchar a imagem desse setor, jogando-o na vala comum do escândalo geral da corrupção.

Atualmente, em função inclusive dos elevados custos financeiros, vive-se uma retomada desse tipo de iniciativa. Afinal, se a cooperativa pertence aos seus associados e não visa lucro, qual o sentido de cobrar taxas extorsivas em suas operações ou buscar rentabilidade máxima na apuração de seus resultados operacionais? Basta que elas tenham escala em termos do número de participantes e credibilidade junto ao mercado para que seu funcionamento seja simples e eficiente.

Qual o cliente que não se sente lesado por estar pagando mais de 200% ao ano em cada momento que entra no vermelho em sua conta corrente? Qual empresário industrial não se sente prejudicado com as absurdas taxas cobradas em seus empréstimos, em níveis muito superiores à já elevada taxa oficial da SELIC? Qual comerciante não se sente injustiçado com as tarifas abusivas cobradas pelas empresas operadoras de cartão de crédito, todas elas pertencentes aos próprios bancos?

Portanto, caberia ao governo federal cumprir sua missão e moralizar a ação dos bancos. Em primeiro lugar, recomendando ao COPOM que reduzisse de forma efetiva a taxa oficial de juros. Depois, orientando os dirigentes dos bancos públicos a romperem com a lógica mercadista em seu comportamento empresarial. Ou seja, não mais buscar a acumulação de lucros sem qualquer princípio ético ou de respeito ao País, à sociedade e a seus cliente. Finalmente, recomendando maior rigor da parte dos órgãos reguladores do sistema financeiro, para reduzir a margem das manobras de natureza especulativa e impondo limites legais à prática do “spread”

Assim, todos ganharíamos. Principalmente, as futuras gerações que passariam a viver em uma sociedade menos contaminada pelo vício do rentismo, a esperteza de viver usufruindo apenas dos ganhos da atividade financeira parasita. Sim, é possível e necessário que haja espaço para “bons bancos”. Basta que sejam, em sua essência, apenas bancos e nada mais.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10

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