O salário mínimo é importante instrumento de política econômica por várias razões: constitui o piso da estrutura salarial dos mercados de trabalho e se destina a proteger os trabalhadores que estão na base da pirâmide salarial, por ser uma referência para a fixação de pisos das categorias e por indicar o valor da remuneração para os trabalhadores informais.
No Brasil, o salário mínimo é um direito garantido em constituição, e prevê o bem-estar do trabalhador e sua família, por meio do acesso a bens e serviços de qualidade. Segundo a Constituição de 1988:
““Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (…)”
De forma irregular, o salário mínimo teve seu poder aquisito superior a 1940 nos anos 50 e início dos anos 60, quando passou a ser usado, pelo governo militar para conter inflação, de forma que passou a ter reajustes abaixo da taxa oficial de inflação, perdendo poder de compra. Entre 1996 e 2002, os reajustes do SM foram aleatórios e não se basearam em critérios objetivos. Por isso, nesse período, seu valor real foi reduzido para apenas 30,28% do valor vigente em julho de 1940, quando foi criado.
Em 2004, no primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, as Centrais Sindicais iniciaram uma mobilização nacional conhecida como “Marcha da Classe Trabalhadora a Brasília” com o objetivo, entre outros, de recuperar o poder de compra do SM. Em dezembro de 2006, foi assinado um Protocolo de Intenções entre as Centrais e o Governo Federal. Esse Protocolo previu o reajuste do SM em abril de 2007 com base na inflação acumulada nos doze meses anteriores e no crescimento do PIB em 2005 (dois anos anteriores). Até janeiro de 2011, no início do primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, o reajuste do SM se baseou nos critérios definidos no Protocolo assinado em 2006, por meio de uma série de Medidas Provisórias. Finalmente, em fevereiro daquele ano, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei de valorização do SM (Lei 12.382/2011), considerando-a uma política essencial ao desenvolvimento do país. Em janeiro de 2015, no início do segundo mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, a Política de Valorização do SM foi prorrogada por mais quatro anos pelo Congresso Nacional, com a aprovação da Lei 13.152, para vigorar até janeiro de 2019.
Após o período tenebroso que viveu o Brasil (2016 a 2022), o salário mínimo passa novamente a foco do debate a partir da proposta de uma nova política de valorização do piso. Em meio ao embate entre o governo e o Banco Central, que insiste em aumentar a taxa de juros para reduzir a inflação, a política de valorização do salário mínimo se destaca pela capacidade de gerar mais poder de compra e consumo para uma parcela da população espremida pela falta de renda e pelo descaso no governo nos últimos anos, e por ser um instrumento capaz de alavancar o crescimento.
Estimativas do DIEESE por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNADC) apontam que o aumento real do salário mínimo tem um impacto maior nos segmentos mais vulneráveis da população: 28,5 milhões de mulheres, 34,7 milhões de pessoas negras e 7,7 milhões de pessoas idosas. Ademais, 7,7 milhões de pessoas com menos de 14 anos (crianças e adolescentes), que também podem ser consideradas mais vulneráveis, foram impactadas pelo salário mínimo.
Só estes números deveriam ser suficientes para justificar a política, mas um olhar cuidadoso nos anos 2000 mostra que, a transferência de renda para as famílias mais pobres, entre elas, a política de valorização do salário mínimo, trouxe um maior consumo, e com isso, mais empregos, mais investimentos, jogando a economia em um ciclo virtuoso de crescimento e fortalecendo o mercado interno.
E mais, sem gerar inflação. Importante falar que nos dias de hoje, a inflação é causada por choques de oferta: impactos dos preços internacionais do petróleo, paridade entre os preços dos alimentos produzidos aqui e o preços das commodities, taxa de câmbio em um patamar que estimula a exportação, elevação dos preços dos fretes das exportações e importações, entre tantos outros motivos.
Finalmente, os dados dos anos 2000 são opostos às ideias dos conservadores e liberais que defendem que o aumento real e sistemático do salário mínimo causa inflação, reduz a produtividade e causa desemprego e informalidade. Neste período, o Brasil cresceu, reduziu o desemprego e a informalidade:
“A conclusão é que, entre 2003 e 2019, o aumento real do salário mínimo (78,61% acima da inflação) foi bem superior ao aumento da produtividade da economia (24,94%) e foi alcançado com inflação controlada e decrescente, redução do desemprego e redução da informalidade” (DIEESE, 2023).
Patrícia Toledo Pelatieri é Diretora técnica adjunta do Dieese
Texto baseado nas
notas sobre o salário mínimo publicadas em abril de 2023, para subsidiar o debate da política de valorização do Salário Mínimo