
A jornalista e pesquisadora Carolina Maria Ruy concede entrevista sobre o livro “A História dos Metalúrgicos SP”
Um dos principais acontecimentos culturais deste ano no meio sindical foi o lançamento do livro “A História dos Metalúrgicos de São Paulo”, escrito pela jornalista e pesquisadora Carolina Maria Ruy, coordenadora do Centro de Memória Sindical, editora do site Rádio Peão Brasil e membro do Conselho Consultivo da Fundação Maurício Grabois.
O evento foi realizado em 21 de março de 2025, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes e da Força Sindical, na Liberdade, São Paulo, com presença do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do governo Lula.
Presentes o presidente Miguel Torres (Força Sindical, CNTM e Sindicato dos Metalúrgicos), dirigentes sindicais, trabalhadores e trabalhadoras.
o Metalúrgico – Qual foi a sua satisfação em produzir a história do Sindicato e dos metalúrgicos?
Carolina Maria Ruy – Primeiramente, eu aprendi muito com esse trabalho. Não apenas sobre a história do Sindicato, mas também sobre a história do Brasil e dos trabalhadores brasileiros. Isso, por si só, já é uma grande satisfação e realização pessoal. Em segundo lugar, é satisfatório — além de ser uma grande responsabilidade — saber que muitos trabalhadores vão conhecer a história da entidade, que é a história deles, por meio das palavras que escolhi, através da narrativa que criei. Por isso, busquei ser simples, objetiva e acessível, evitando uma linguagem técnica ou muito pesada.
É importante ressaltar que usei fontes de outros pesquisadores que já haviam produzido essa história. Principalmente as teses de Maria Helena Simões e Carmen Lucia Evangelho. Dessa forma, trata-se de uma soma, de um trabalho que avança no tempo conforme a história segue.
o Metalúrgico – No livro você diz que os primeiros 20 anos mostraram-se a parte mais interessante na hora de “sistematizar” a trajetória do Sindicato. Por que é importante enaltecer esse pioneirismo?
Carolina Maria Ruy – O movimento sindical no período de 1930 a 1950 é pouco debatido e bastante desconhecido. Existem eventos pontuais, como a Greve de 1917 e a Greve de 1953, a evolução do período, o encadeamento histórico, entretanto, são, de certa forma, negligenciados por uma narrativa dominante que privilegia o período que vai do fim da ditadura militar em diante. Mas os anos 1930 e 1940 foram muito dinâmicos e, se os perdemos de vista, deixamos de entender — ou entendemos de forma equivocada — como as organizações funcionam até hoje.
Naqueles vinte anos estão as raízes da organização, as bases fundamentais, os que se empenharam em buscar formas possíveis de luta: a primeira sede, as primeiras grandes greves e campanhas salariais. Foi o período de estruturação do movimento sindical conforme as bases legais estabelecidas pela CLT de 1943 — uma mudança radical em relação ao que havia antes. O maior salto que o sindicalismo deu na história do Brasil.
o Metalúrgico – Você menciona alguns trabalhadores e líderes metalúrgicos que foram perseguidos e mortos pela ditadura militar iniciada em 1964. Esse é um conhecimento histórico edificante para as novas e futuras gerações, pois contribui para a formação política e a defesa da democracia contra as tentativas de retrocessos e golpismos no Brasil. Qual a sua opinião sobre isso?
Carolina Maria Ruy – Nossa redemocratização, em 1985, foi pactuada. Os militares e os responsáveis por diversos crimes e atentados contra a vida atravessaram esse processo sem assumir ou pagar por esses crimes. Isso deixou na sociedade a impressão de uma sucessão natural, até amigável, sem grandes conflitos. Não dar o devido nome e a devida punição aos culpados criou uma espécie de esquecimento e autoindulgência coletiva. Ficou por isso mesmo.
Por isso, acho fundamental que as organizações e pessoas que sofreram com esses crimes mantenham vivas as memórias sobre a ditadura. Todos os brasileiros precisam saber disso. No caso dos metalúrgicos de São Paulo, há ainda o agravante de o Sindicato ter sofrido repressão severa e, até hoje, ser alvo de calúnias por parte de indivíduos e organizações tendenciosas que tentam acusá-lo de práticas duvidosas — o que a história demonstra ser falso. Fazem isso para valorizar, de forma infame, suas próprias instituições, atacando outras. É preciso expor e defender a história de luta e resistência dos metalúrgicos de São Paulo. Honrar aqueles que morreram na luta. Eles também fazem parte da história do Sindicato.
o Metalúrgico – Leitores destacaram que o livro é mais institucional do que personalista, mas valoriza, de forma justa, a figura de Joaquim dos Santos Andrade, presidente do Sindicato no período da ditadura. Qual o principal legado do Joaquinzão?
Carolina Maria Ruy – O Joaquinzão, na mesma linha do que disse antes, é um injustiçado na história do sindicalismo. Vítima de calúnias, ele deve ter sua trajetória revista e reposicionada na memória social do País. Primeiro, foi eleito para evitar uma intervenção no Sindicato e garantir a continuidade das atividades. Cresceu politicamente dentro da entidade. Não apoiou a ditadura. Pelo contrário: cobrou do governo respostas sobre os que morreram nos porões do DOI-CODI.
Foi apoiador e entusiasta de entidades como o Dieese e o Centro de Memória Sindical. Tanto que é lembrado com respeito — e até carinho — por Walter Barelli, que foi diretor técnico do Dieese de 1968 até a década de 1990. O Joaquinzão foi um dos organizadores do Conclat de 1981, mas acabou traído pelo próprio movimento, que o deixou de lado em nome da Oposição.
Ele também foi o principal protagonista da Greve Geral de 1983, a primeira do período da ditadura, e atuou em prol da redemocratização e da Constituinte, sendo uma das personalidades destacadas no movimento pelas Diretas Já!. Por fim, soube compor sua diretoria com membros da Oposição, do PCB, do PCdoB, da Igreja, do trabalhismo, além de investir numa imprensa sindical qualificada e politizada. Sua postura agregadora foi um grande diferencial na história recente do Sindicato.
o Metalúrgico – Sua pesquisa sobre os 90 anos do Sindicato (1932–2022) apresenta as fases do sindicalismo de resultados, da unidade de ação e da cidadania, e retrata a reforma trabalhista de 2017 como um golpe muito forte contra o movimento sindical brasileiro. Em relação a esse golpe, qual a característica do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes que garante à entidade resistir e continuar representativa?
Carolina Maria Ruy – A reforma de 2017 foi, de fato, um golpe contra o movimento sindical. Diferente do golpe de 1964, quando tanques tomaram as ruas e destituíram um presidente, em 2017 o golpe se deu dentro do Congresso — o que torna a resistência ainda mais difícil.
O Sindicato consegue manter sua força e relevância não apenas porque representa uma categoria numerosa na maior cidade do País, mas principalmente pela postura de sua direção, liderada por Miguel Torres, que assume ações e discursos políticos, além da atuação sindical constante. Nesse contexto, o investimento em ações unitárias com outras categorias e até com centrais sindicais fez muita diferença. O Sindicato entendeu a necessidade de união dos trabalhadores contra as medidas antissindicais que foram — e ainda estão sendo — tomadas.
Até mesmo a ideia de lançar o livro foi uma resposta a esse momento de dificuldade. Com ele, o Sindicato mostra a importância da sua história.
o Metalúrgico – O Centro de Memória Sindical foi fundado em 1980. Quando você começou a trabalhar nele e quantos livros e revistas já editou para entidades sindicais filiadas?
Carolina Maria Ruy – O Centro de Memória foi fundado em 1980, no rescaldo das greves de 1978 e 1979. Funcionou inicialmente no Sindicato dos Metalúrgicos, na Rua do Carmo, depois no Sindicato dos Têxteis, na Rua Oiapoque. Em 2010, quando entrei, o Centro voltou para a Rua do Carmo, para o prédio que naquele ano já havia se tornado sede do Sindicato Nacional dos Aposentados.
Desde então, trabalhei em diversos projetos. O primeiro foi o livro sobre os 20 anos da Força Sindical, em 2011. Também produzimos o livro sobre a história do Sintetel, o livro Mundo do Trabalho no Cinema, a história do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, as revistas sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917 e outra sobre o ano de 1968, e o projeto dos 200 nomes eleitos pelo movimento sindical para os 200 anos da Independência do Brasil, que envolveu as principais centrais sindicais.
Trabalhar com a memória sindical sempre exigiu uma dose de abnegação. Depois da crise de 2017, ficou ainda mais difícil. Mas o lado bom é que, apesar de tudo, conseguimos nos manter. Os sindicatos reconhecem a importância de manter viva a memória das lutas e dos trabalhadores brasileiros.
Contato: carolruy@gmail.com