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A armadilha da ganância pelo lucro
quinta-feira, 29 de maio de 2014
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Diante da possibilidade de se rever os termos da lei que determinam a fórmula de reajuste do salário mínimo – inflação medida pelo INPC-IBGE do último ano somado à variação do PIB de dois anos atrás – os economistas porta-vozes do empresariado nacional entraram em campanha contra a política de valorização do salário mínimo. Ou seja, contra a mais bem sucedida medida de redução da desigualdade observada pelo mundo na última década.
Esta empreitada se iniciou antes mesmo do modelo apresentar sinais consistentes de esgotamento. A primeira grande ofensiva, chamada de “armadilha do salário mínimo”, foi elaborada na suposição de que a política de valorização do salário mínimo somente será bem sucedida enquanto o PIB crescer e a inflação permanecer sob controle, para que os ganhos de produtividade não sejam ultrapassados pelo aumento do piso nacional.
Entram em cena técnicos profetas, com gráficos dos mais variados e desagregados, para alardear o ritmo de expansão inflacionária. No mesmo ímpeto, as revisões para baixo de crescimento do PIB se tornam inquestionavelmente matéria de capa dos jornais impressos e televisivos. Todavia, estes se viram obrigados a recuar momentaneamente diante das manchetes: “Inflação ficará na meta pelo 10º ano consecutivo”; “Brasil tem terceira maior alta do PIB em 2013 entre 13 grandes economias”.
De fato, são muitas as nossas divergências com o atual governo, que se distanciou do diálogo com o movimento sindical e concedeu incontáveis medidas de isenções e benefícios aos empregadores, sem que as devidas contrapartidas fossem garantidas ao trabalhador. Se por um lado atendeu às demandas empresariais de isenção de PIS/Cofins e de desoneração da folha de pagamentos, por outro desqualificou a pauta de reivindicações trabalhistas, por exemplo, pelo fim do fator previdenciário ou pela redução da jornada de trabalho.
Entretanto, a manutenção da política de valorização do salário mínimo se mostrou inteiramente acertada, tanto no combate à pobreza e desigualdade no país como mecanismo propulsor da economia nacional. Importante destacar que tal medida, claramente bem sucedida, foi proposta pelas Centrais Sindicais em movimento unitário em 2004, ocasião na qual se realizaram três marchas conjuntas em Brasília. Ainda como resultado dessas mobilizações, em 2007, foi negociada uma política permanente de valorização do salário mínimo até 2023. Em janeiro de 2014, o salário mínimo foi reajustado para R$724,00, acumulando um ganho real de 72,31%, desde 2002.
Outro foco de argumentação da ala contrária à valorização do salário mínimo versa acerca de seu impacto sobre as contas públicas, por exemplo, sobre o seguro desemprego e sobre o benefício previdenciário, valores que mantiveram por base o piso nacional. No entanto, parecem esquecer que o salário mínimo contribuiu para aumentar a arrecadação via tributos sobre a renda, como é o caso do imposto de renda, e também, via impostos sobre consumo; enquanto impulsionava a conhecida década de formalização do mercado de trabalho brasileiro.
Estima-se que 48,2 milhões de pessoas possuam rendimento balizado pelo salário mínimo, sendo da ordem de R$28,4 bilhões o incremento de renda na economia e de R$13,9 bilhões o incremento na arrecadação tributária sobre o consumo.
Indignados, os porta-vozes contrários à valorização do salário mínimo sugerem que o “Brasil deixou de ser um país de mão de obra abundante e barata para ser um país de mão de obra escassa e cara quando se leva em conta a produtividade do trabalho”. Não seria justamente esse o objetivo secular da economia brasileira? Deixar de sermos uma superabundante oferta de mão de obra predominantemente informal e superexplorada?
A suposta baixa produtividade do trabalho, longe de ser consenso entre acadêmicos e especialistas, vem sendo posta na conta dos trabalhadores, mas o que nos salta aos olhos é o descomprometimento do empresariado com o investimento produtivo e sua opção pelos ganhos rentistas, mesmo diante das incontáveis medidas de incentivo propostas pelo governo. Tampouco é consenso, entre os próprios empresários, a afirmação de que a elevação do salário mínimo gerou elevação do custo unitário do trabalho, ou mesmo o encarecimento dos custos de suas empresas.
Por fim, defendo aqui a tese da armadilha, não do salário mínimo, mas da ganância pelo lucro. A ganância pelo lucro que empurra os salários para baixo e restringe a capacidade de o mercado absorver o produto do próprio capital. É a tradicional armadilha estrutural que colocou o mundo na Grande Depressão em 1929, e, que desde então, reformulou toda ciência econômica. No Brasil, a política de arrocho salarial, levada a cabo na década de 1970 pela Ditadura Militar, é exemplo claro da armadilha pelo lucro, contexto no qual nasceu a “tese do bolo” (primeiro crescer para depois distribuir). Diante da atual conjuntura, vale lembrar que a redistribuição pela via do salário mínimo apenas reduz as desigualdades de renda, não as desigualdades de riqueza. É o mínimo! É a manutenção da política de valorização do salário mínimo!
Sergio Luiz Leite, presidente da FEQUIMFAR (Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de SP) e 1° secretário da Força Sindical