Na posição de membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS) – conhecido como “Conselhão” – entendo que, diante da eleição do presidente Lula, nosso país vive um verdadeiro momento de reconstrução. Para que esta reconstrução seja sólida e duradoura precisamos partir de um diagnóstico aprofundado da situação socioeconômica brasileira e então elaborarmos conjuntamente uma agenda propositiva para o país. Esta agenda tem de formular soluções imediatas para os problemas mais urgentes da nossa população, mas também precisa ousar propor ações de médio e longo prazo que ecoem o próprio nome do Conselho, ou seja, que garantam um real desenvolvimento econômico e social sustentável para as próximas décadas.
Conforme o relatório final da equipe de transição, aproximadamente 125,2 milhões de pessoas se encontravam em situação de insegurança alimentar e 33,1 milhões viviam na extrema pobreza ao final do governo anterior. As políticas públicas relativas à saúde foram desmontadas pelo corte de verbas (menos R$ 10,47 bilhões em 2023), que elevou enormemente as filas dos atendimentos especializados e inviabilizou a farmácia popular, a saúde indígena e o programa HIV/AIDS. Na área da educação houve um aumento do percentual de crianças que não conseguem ler ou interpretar textos (de 50% para 70%), assim como cresceu a evasão escolar, sobretudo durante a pandemia, além do congelamento do gasto da União com merenda escolar ao longo dos últimos quatro anos (R$ 0,36 centavos por aluno).
A gravidade do desmonte generalizado do Estado e das políticas públicas – além do esvaziamento dos fóruns de participação social – pôde ser bem dimensionado a partir do relatório da equipe de transição, possibilitando ao governo Lula logo nos primeiros meses do ano adotar medidas emergenciais de curto prazo para, por exemplo, reconstituir os programas Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Mais Médicos, assim como combater o desmatamento e o garimpo em terras indígenas, resgatar o povo yanomami da desnutrição severa, revogar a política armamentista, recuperar a política de valorização do salário mínimo, elevar a faixa de isenção do imposto de renda, dentre outras ações.
O diagnóstico dos problemas socioeconômicos de médio prazo ganha maior complexidade e assim também maior dificuldade para a construção de consensos. O Novo Arcabouço Fiscal em votação no Congresso Nacional, por exemplo, apresenta avanços em relação ao congelamento do teto de gastos vigente desde o governo Temer, porém ainda se mostra bastante recuado e preso ao discurso fiscalista do mercado financeiro. O próprio sucesso da nova política fiscal dependerá da capacidade do Estado aumentar a arrecadação e se livrar da posição de refém do Banco Central, que em sua negligente autonomia ameaça qualquer perspectiva de retomada da atividade econômica com uma desastrosa política monetária de juros abusivos.
Precisaremos assim construir prioritariamente uma reforma tributária capaz de reverter a atual estrutura tributária regressiva que penaliza os mais pobres e favorece os mais ricos, que sobretaxa o consumo e alivia a propriedade. Diante da histórica dificuldade de se avançar com esta pauta no parlamento, o Conselhão poderia propor, por exemplo, um programa de formalização do emprego no Brasil – política bem sucedida dos governos Lula e Dilma quando o trabalho formal saltou de 28,6 milhões para 49,5 milhões e o desemprego caiu de 10,9% para 4,3%.
Enquanto medidas de médio prazo, a formalização do trabalho, o reequilíbrio da relação capital-trabalho (gravemente afetada pela Reforma Trabalhista) e a redução da jornada de trabalho (elevando a empregabilidade diante das demissões causadas pelos avanços tecnológicos), são políticas que impulsionam o ciclo virtuoso de crescimento econômico na medida em que ampliam a base de arrecadação do Estado, além de possibilitar condições dignas de emprego e renda, bem como permitir o acesso a uma rede de proteção social ampliada composta por direitos previdenciários, trabalhistas e sindicais.
Para que a reconstrução em curso seja de fato “Sustentável” – expressão agora incorporada ao nome do Conselhão – precisamos de uma vigorosa política de longo prazo centrada na “neoindustrialização” do país, tal como proposto por Lula e Alckmin. A industrialização é o pressuposto básico de qualquer experiência de desenvolvimento econômico e social no mundo. A reprimarização da pauta de exportações brasileiras, ou seja, a especialização na produção de commodities e em bens de baixo valor agregado em curso desde a década de 1990, comprometeu qualquer projeto de crescimento econômico sustentável para o país.
O projeto de reindustrialização que propomos assume uma posição estratégica estruturada em uma agenda de longo prazo, mantendo-se, porém, diretamente alinhado às demandas urgentes do povo brasileiro. Significa, por exemplo, ampliar a rede de saneamento básico e segurança alimentar com fornecimento exclusivo da indústria nacional, promover o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) através do abastecimento de insumos e medicamentos produzidos internamente, garantir habitação popular de qualidade dinamizando a construção civil e toda sua cadeia produtiva nacional, avançar com a transição energética impulsionando a mobilidade sustentável via veículos híbridos para ampla geração e preservação de empregos, dentre tantas outras frentes. A reindustrialização não deve ser encarada como um fim em si mesma, mas como um meio para alcançar um desenvolvimento social abrangente, com o Estado desempenhando um papel coordenador das ações, com foco constante na superação dos desafios econômicos e sociais do país.
Sergio Luiz Leite, Serginho
Presidente da FEQUIMFAR, Vice-presidente da Força Sindical e Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável do Governo Federal (CDESS)