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Metalúrgicos de Osasco: uma história de luta
terça-feira, 10 de agosto de 2010
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Até o início da década de 1960 Osasco era um bairro da cidade de São Paulo e seus metalúrgicos eram representados pelo Sindicato de São Paulo. Mas, no início da década de 1950, com intenso crescimento comercial e demográfico a região já possuía uma dinâmica própria. Há, por exemplo, registros da atuação dos Metalúrgicos de Osasco em 1953, na greve dos 300 mil, e em 1957, na greve da Cobrasma.
Naquela época, a forte pressão pela emancipação de Osasco envolvia, além dos trabalhadores e dirigentes da subsede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, estudantes, empresários, comerciantes e associações de bairro.
Desta forma a fundação do município osasquense, em 19 de fevereiro de 1962, se deu entrelaçada à luta dos trabalhadores. O que era subsede conquista autonomia e a história oficial do Sindicato começa em 23 de julho de 1963.
Por força da conjuntura nacional, entretanto, a primeira diretoria, composta por Conrado del Papa na presidência, Lino F. dos Santos na secretaria geral e Fortunato Facchini, na tesouraria, duraria menos de um ano, sofrendo o golpe da instauração da ditadura militar em 1964.
Anos de chumbo
Reprimir o movimento sindical foi uma das primeiras manobras do golpe militar. O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região ficou sob intervenção de 1964 até julho de 1965 e a direção recém eleita foi destituída. Em junho de 1965, a despeito da intervenção, Henos Amorina foi eleito presidente do Sindicato. Novas eleições só viriam a ocorrer em 1967.
Descontentamento e questionamentos à ditadura deram o tom do ano de 1967. Com sua política de recessão e seus Atos Institucionais cada vez mais arbitrários os militares não conseguiam mais camuflar a violenta lógica repressiva adotada como política nacional. Neste contexto cresceram as “oposições sindicais”. E no Sindicato de Osasco a oposição à ditadura foi vitoriosa.
Chapa de oposição
Não foram questões ideológicas que incitaram as massas de trabalhadores a se organizarem em torno de grupos de contestação ao regime. É mais realista afirmar que o caminho foi inverso: questões práticas abriram os olhos dos trabalhadores para as maleficências da execução daquela ideologia neoliberal. Ou seja, a retração do poder aquisitivo dos trabalhadores, resultante do projeto econômico atrelado ao capital estrangeiro e comprometido com dívidas e inflação, adotado pelos militares, provocou reações contra a ordem. Sem aumento real a perda dos trabalhadores, no cálculo da inflação, de acumulava ano a ano.
Na década de 1960, com sindicatos ameaçados ou sob intervenção, começaram a surgir as comissões de fábrica, permitindo que os trabalhadores se unissem pela base a partir do próprio local de trabalho.
No Brasil a primeira comissão de fábrica, a da Cobrasma, surgiu em Osasco, organizada pelo metalúrgico José Ibrahim, do grupo de esquerda, com apoio de grupos de origem cristã progressista como a Ação Popula (AP) e a Frente Nacional do Trabalho (FNT). Naquela comissão de fábrica os grupos e lideranças afinavam o discurso e planejavam ações.
O crescimento da revolta dos trabalhadores contra o regime fortalecia a comissão, na medida em que ela era ativa e combativa. Tal situação se refletiu na eleição da chapa da Cobrasma para a direção do Sindicato de Osasco em 1967. A “chapa de oposição”, que vencia as eleições de 67, possuía uma postura radical, defendendo o direito de greve, as liberdades sindicais e o fim do arrocho salarial. Ibrahim foi eleito presidente e o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco se tornava pólo de resistência, oposição política e de uma nova concepção de ação sindical.
O MIA
A luta de classes se estabelecia no país e, em outubro de 1967, mais de 40 dos principais Sindicatos do Estado de São Paulo conceberam o Movimento Inter-Sindical Anti-Arrocho (MIA), projetando ações que culminariam com a realização de um ato pró trabalhadores no dia 1º de Maio de 1968.
A postura radical de Ibrahim, para quem o ato deveria ser uma manifestação combativa e não condescendente com os patrões, como foram as festas do dia do trabalho de 1964 até então, chamou a atenção do Ministro Coronel Jarbas Passarinho, que ameaçou o Sindicato de nova intervenção. Tais conflitos internos desdobraram-se na dissolução do MIA, tendo sido criada uma comissão para se ocupar da organização do 1º de Maio.
O 1º de maio de 68
Abril de 1968: o mundo estava em franca ebulição social. No Brasil o movimento estudantil vivia o seu auge e o movimento operário e sindical, além de todas as manifestações do MIA, saboreava a vitória da greve de Contagem. Em Osasco o clima era de euforia e medo pelas medidas que poderiam ser tomadas pelo Ministério do Trabalho.
Este foi o cenário da preparação do 1º de Maio de 68, na Praça da Sé, em São Paulo. Mais de 20 mil pessoas se reuniram no ato, mas a presença do governador Abreu Sodré provocou a revolta dos operários e militantes de base. O ato, que foi marcado por brigas e agitações, repercutiu em todo o país.
Tal repercussão se deu especialmente no pólo industrial de Osasco, onde o nível de organização já atinava para realização de uma greve.
A greve de Osasco
Em abril daquele ano ocorrera a famosa greve de Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG), que ensaiou travar negociações, mas acabou sendo reprimida com extrema violência. O MIA, Contagem e o 1º de Maio ferviam em um mesmo caldeirão. Era claro que a repressão se enrijecia, mas seria muito difícil evitar a greve em Osasco dado o avanço das mobilizaçãos e a intensidade da revolta dos seus trabalhadores naquele momento.
Desta forma, às 9h da manhã de 16 de julho de 1968, a paralisação se iniciava a partir da fábrica da Cobrasma. A greve, que ocorreu conforme um planejamento detalhado, teve adesão em massa dos trabalhadores. Como se os militares já estivessem esperando por isso, naquela mesma hora o Conselho de Segurança Nacional se reuniu para decidir se decretaria “estado de sítio” no país.
A situação era peculiar, pois o sindicato de Osasco assumiu a postura mais radical até então assumida contra os militares. Sem prévias negociações ou tentativas de contenção, o Ministério do Trabalho decretou a intervenção no Sindicato de Osasco acionando cerco policial, invasão das fábricas e prisões dos grevistas. A repressão foi intensa e brutal. Após o terceiro dia de repressão os trabalhadores sitiados e sem lideranças viram-se forçados à voltarem ao trabalho.
Mas talvez naquele momento ainda não fosse tão claro que aquela greve representaria a mola propulsora do renascimento do movimento sindical brasileiro.
O legado da greve
A organização dos trabalhadores pela base, a democratização dos sindicatos, a liberdade, autonomia e a firmeza da ação sindical, enfatizados na greve de Osasco de 1968, marcaram o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco como um dos mais combativos do Brasil. Tratou-se de romper com nada menos que os limites impostos pela ditadura. Naquele julho de 1968 o Sindicato cumpriu um papel político imprescindível para o avanço das lutas pela democracia.
Dez anos depois, em 1978, estas lições fizeram a diferença no novo sindicalismo que emergia em todo o país. É por tudo isso que seus protagonistas “fariam tudo outra vez”.
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Milton Baptista de Souza (Cavalo) é Secretário de Cultura e Memória Sindical da Força Sindical, Presidente do Centro de Memória Sindical e Diretor Tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região