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Pobreza e responsabilidade com cuidados limitam a participação das mulheres no mercado de trabalho
quarta-feira, 26 de julho de 2017
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Recentemente a OIT publicou o relatório intitulado “Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo – Tendências para Mulheres 2017” . Trata-se de um estudo que aborda vários aspectos relacionados as condições de inserção das mulheres no mercado de trabalho, por regiões, com destaque para a sua reduzida participação como uma ocorrência que permanece ao longo dos anos.
O relatório, organizado pela OIT tem o mérito de expor um tema complexo e pouco abordado pelas pesquisas sobre mercado de trabalho e gênero: quais são as razões da reduzida participação das mulheres na taxa de participação na comparação com o sexo masculino? E porque essa realidade pouco se alterou ao longa das décadas? O relatório constata um gap de 27 pontos percentuais na taxa de participação entre os sexos, enquanto a taxa de participação das mulheres, dados globais, oscila em torno de 49%, entre os homens ela chega a 76%.
O curioso é que a condição de país se, mais ou menos, desenvolvido em pouco altera essa relação sinalizando que é necessário um conjunto abrangente de medidas que melhore a igualdade nas condições de trabalho.
No caso do Brasil, as informações disponíveis são mais favoráveis o gap é de 22 pontos percentuais. Mesmo assim, as diferenças persistem uma vez que a ampliação da taxa de participação das mulheres entre 1995 e 2015 deslocou-se apenas 2 pontos percentuais.
Portanto, para além dos impactos no desenvolvimento econômico e social que a ausência de uma parcela significativa da força de trabalho feminina representa é importante compreender quem são essas mulheres e quais as motivações que as afastam de um emprego remunerado.
A desigual participação entre mulheres e homens no mercado de trabalho
Em 2015, conforme últimos dados disponíveis da PNAD e publicados pelo IPEA , a População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil com 16 anos ou mais totalizava 103.281.285 pessoas, sendo que as mulheres representavam 44% desse total. As pessoas negras representavam 54% e as mulheres negras 52% sobre o total de mulheres.
A primeira constatação é de que a taxa de participação das mulheres evoluiu de forma muito lenta ao longo das duas últimas décadas: entre 1995 e 2015 evoluiu de 53,7% para 55,1%, enquanto que para os homens a taxa era de 77,5% em 2015.
Entre a população ocupada tinha-se em 2015 um total de 93.539.333 pessoas. Destas, 54% eram pessoas negras e em torno de 43% mulheres. Já a população desempregada correspondia a 9.742.052 pessoas, sendo 54% de mulheres e 61% de pessoas negras. Se desagregarmos ainda mais os dados, veremos que as mulheres negras constituem maioria: 32% sobre o total de pessoas desempregadas. Ou seja, em cada dez desempregados no Brasil três são mulheres negras.
Na População Não Economicamente Ativa (PNEA) temos mais de 56 milhões de pessoas, do qual as mulheres representam aproximadamente 68% desse total. Entre a PNEA surpreende o elevado percentual de mulheres entre 20 e 39 anos nessa condição, 24%, enquanto que entre os homens o percentual, para a mesma faixa etária, é de 15%. Portanto, primeiro registro importante a ser feito é o elevado número de mulheres que se afasta do mercado trabalho na idade reprodutiva, o que compromete de forma bastante intensa a sua trajetória profissional uma vez que, ao retornarem para o mercado de trabalho, essas mulheres passam a ocupar empregos mais precários e com menor proteção social.
Relação entre pobreza e taxa de participação das mulheres
A condição de maior pobreza tem sido um obstáculo à inclusão das mulheres no mercado de trabalho. Dependendo de sua situação de pobreza, a taxa de participação das mulheres pode variar entre 38,0% e 62,6%. Em 2015, apenas 38% das mulheres extremamente pobres estavam no mercado de trabalho, enquanto entre as não pobres o percentual chegava a 62,6%. Entre os homens nessa mesma condição os dados sofrem pouca alteração de maneira que a pobreza, sem dívida nenhuma afeta mais as mulheres.
Tabela 1 – Taxa de participação – PNAD – 2015
Situação de pobreza Mulheres Homens
Taxa de participação total 55,1% 77,5%
Extremamente pobres 38,0% 65,9%
Pobres 48,5% 76,8%
Vulneráveis 49,4% 74,1%
Não pobres 62,6% 81,5%
Fonte: IPEA – Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça – 2017
Estudos realizados por Vasquez (2016, p. 54) indicam que a taxa de participação das mulheres varia de acordo com o seu nível socioeconômico, expresso pela renda domiciliar per capita. Assim, para renda de até ¼ de salário mínimo (SM) a diferença de taxa de participação entre os sexos é 37,1% na faixa entre 25 e 29 anos. Essa diferença chega a 40,6% entre os sexos para faixas de idade entre 25 a 29 anos e renda per capita entre 1/4 e 1/2 SM . No entanto, quando a renda é de mais de cinco SM, a diferença entre os sexos é de apenas 5,4%.
Dito de outra maneira, o diferencial entre mulheres e homens diminui na medida em que a renda per capita cresce, evidenciando que a situação socioeconômica das mulheres é um fator decisivo para sua entrada e permanência no mercado de trabalho. Quanto mais pobres, mais tempo elas estarão afastadas do mercado de trabalho. Essa interrupção comprometerá de forma definitiva a trajetória profissional, as contribuições previdenciárias e com isso a maior parte das mulheres não alcançará o tempo de contribuição mínimo para requerer a sua aposentadoria.
As tarefas de cuidados são um grande limitador para as mulheres mais pobres. O afastamento das mulheres do mercado de trabalho, entre 25 e 29 anos, em parte, está associado à maternidade e à ausência de creches públicas, o que obriga as mais pobres a se afastarem temporariamente de alguma atividade remunerada para se dedicarem as tarefas de cuidados.
Os dados também indicam que o avanço da idade reduz a taxa de participação das mulheres de forma mais intensa do que a taxa masculina: para o ano de 2013, as mulheres alcançaram uma taxa de participação de 73,2% nas faixas entre 35 a 39 anos, reduzindo para 46,5% entre 55 a 59 anos.
O trabalho doméstico segue sendo de responsabilidade das mulheres
Jornadas parciais resultam da precariedade nas relações de trabalho e da lógica do mercado em imputar como natural às mulheres as atividades de âmbito reprodutivo, realidade semelhante nos demais países.
Contudo, a diferença na jornada de trabalho entre mulheres e homens diminuiu. Em 1995, a jornada semanal de trabalho das mulheres era 10,2hs menor que a dos homens. Em 2015, essa diferença diminuiu para 5,9hs (PNAD). Ou seja, as jornadas em trabalho remunerado, entre mulheres e homens, vêm se aproximando ao longo dos anos.
Tabela 2 – Jornada média semanal na ocupação principal
1995 2005 2015
Mulheres 35,1 horas 35,0 horas 34,9 horas
Homens 45,3 horas 43,6 horas 40,8 horas
Fonte: IPEA – Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça – 2017
Entretanto, isso não se reflete em uma ampliação, por parte dos homens da jornada ligada aos trabalhos domésticos que segue praticamente intacta, em torno de 10 horas semanais, conforme dados da última década, considerando que apenas 52% dos homens declararam realizar algum tipo de afazeres domésticos enquanto que entre as mulheres o percentual foi de 90%. Para as que responderam positivamente a jornada dedicada aos afazeres domésticos oscila em torno de 21 horas semanais, mas dependendo da atividade em que estiver inserida pode ampliar para 30 horas, a exemplo das trabalhadoras da agricultura e da pesca
Conforme estudos do IPEA, a menor carga de trabalho de cuidados devido à redução da taxa de dependência de crianças será, a partir de 2023, contrabalançada pelo aumento expressivo da razão de dependência de idosos cujo trabalho tenderá a recair sobre as mulheres.
Nesse sentido, é um pressuposto da igualdade que se enfrente o déficit de políticas públicas que beneficiam as mulheres, a redução da pobreza e da vulnerabilidade social e que se aborde de forma responsável com o conjunto da sociedade o compartilhamento das responsabilidades familiares.
Marilane Teixeira é economista do CESIT/UNICAMP