A Pandemia no Brasil, além de causar enorme número de mortes, tem aumentado os graves problemas relacionados ao mundo do trabalho, especialmente para a classe trabalhadora. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no início de 2021, o desemprego atingiu 14,3 milhões, os trabalhadores subocupados chegaram a 34,2 milhões e os trabalhadores por conta própria totalizaram 23,5 milhões. Entre os 105 milhões da População Economicamente Ativa, 31,1 milhões tentam sobreviver na informalidade e 9,9 milhões de trabalhadores do setor privado, sem contar domésticos, estão sem carteira assinada.
Somam-se a esses problemas: a disparidade de renda em desfavor da mulher trabalhadora; a discriminação racial, comprovada pelos 72,9% de desocupados que se declaram pretos ou pardos; as condições inseguras de trabalho geradas pela crescente terceirização, que tem causado incremento de acidentes de trabalho e aumento de doenças profissionais; e o agravamento da insegurança alimentar que, em 2020 já atingia 117 milhões de pessoas, com 19 milhões delas em situação de fome. Em 2021, esses números aumentaram. Nos últimos cinco anos, esse aumento foi de 43,7%, afetando muito, inclusive o meio rural.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o grande número de empresas que fecharam durante a pandemia, foi compensado por muitos pequenos negócios que abriram, com destaque aos microempreendedores individuais (MEI). Na realidade, muitos desses negócios e empregos estão submetidos à lógica da precarização gerada pelas reformas trabalhistas, condicionando-os à baixa renda e não garantia de direitos fundamentais. Essas reformas debilitaram também as organizações sindicais da classe trabalhadora, tornando os problemas do mundo do trabalho mais desafiadores.
A flexibilização das leis trabalhistas e o alto investimento em tecnologia, implementados sob o argumento de modernização, prometiam crescimento econômico, geração de empregos, melhores condições de trabalho, aumento de renda, redução da carga horária de trabalho, mais tempo para descanso e convivência social, enfim, condições mais saudáveis de vida. No entanto, vemos o contrário. Esse tipo de modernização tem beneficiado somente os detentores do grande capital, em detrimento sobretudo dos trabalhadores, bem como micro e pequenas empresas que, segundo o SEBRAE, geram a maior parte de empregos neste país.
A falácia dessa modernização está sendo comprovada neste tempo de pandemia: em lugar de contrapor-se à grave crise, está agravando-a, pois exclui grande parte da classe trabalhadora do próprio direito ao trabalho. Estaria, então, o trabalho deixando de existir por estar corporificando-se em tecnologias avançadas? Isso é fato, associado à sofisticação da exploração, a exemplo do trabalho multi-terceirizado, pelo qual trabalhadores e empresas interligam serviços presenciais e remotos, por meio de tecnologias comunicacionais avançadas. Enfim, esse tipo de modernização está servindo para enriquecer poucos e excluir muitos.
Os problemas sociais, portanto, agravam-se. Como enfrentá-los lucidamente? “A grande questão é o trabalho”, diz o Papa Francisco na Encíclica Fratelli Tutti (nº 162). Afirmando que “não há pobreza pior do que aquela que priva do trabalho”, o Papa diz que a vida digna advém do trabalho em condições dignas. Sendo “uma dimensão essencial da vida social”, o trabalho, mais do que “ganha pão”, deve ser meio para se criar relações sadias, partilhar dons e servir ao bem comum. Crendo, pois, que “Deus ama a justiça e o direito” (Sl 33,5), cabe-nos, sobretudo neste tempo de pandemia, lutar pelo direito de viver e trabalhar em condições saudáveis.
Dom Reginaldo Andrietta, Bispo Diocesano de Jales