
Poder de consumo das famílias é resultado da valorização do salário mínimo. Foto: Agência Brasil
A política de valorização permanente do salário mínimo, retomada em 2024 pelo governo Lula, vem sendo debatida intensamente por economistas e analistas fiscais. Enquanto o campo liberal afirma que há uma preocupação com o impacto nos gastos públicos, outros estudos refutam esta visão e mostram que os efeitos multiplicadores sobre a renda, o consumo e a arrecadação podem reduzir significativamente o custo fiscal e trazer ganhos para a sociedade.
O estudo de referência
Um estudo do economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), divulgado pelo jornal Valor Econômico, estimou que a política de reajuste real do mínimo teria um impacto acumulado de R$ 165 bilhões até 2026 e de R$ 182 bilhões adicionais em caso de manutenção por mais quatro anos. Para ele, esse aumento de gastos representaria pressão sobre a dívida pública e exigiria atenção fiscal.
O contraponto: efeitos positivos sobre a economia
Partindo das projeções de Giambiagi, a professora Clara Brenck, do Departamento de Economia da UFMG e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP (Made-USP), incorporou ao cálculo os efeitos indiretos do salário mínimo na economia.
Ainda de acordo com o Valor, Brenck mostra que, ao aumentar a renda de milhões de brasileiros, principalmente das camadas mais pobres, a política estimula o consumo imediato, movimenta o comércio e os serviços e fortalece a arrecadação tributária. Isso porque as famílias beneficiadas tendem a gastar praticamente 100% do valor recebido, gerando efeito multiplicador mais alto que outros tipos de gasto público.
“De fato, o governo vai gastar esse dinheiro, mas vai gerar crescimento econômico e isso vai voltar para ele via arrecadação. O custo pode parecer alto em um primeiro momento, mas, ao gerar crescimento, contribui no futuro para equilibrar as contas públicas”, disse ela ao Valor.
Com esse enfoque, Brenck conclui que o custo líquido da política pode ser quase R$ 100 bilhões menor do que o inicialmente projetado por Giambiagi. Nas suas estimativas, o impacto seria de R$ 67,1 bilhões no governo Lula 3 e de R$ 73,9 bilhões em um eventual próximo mandato. Mesmo em cenários mais conservadores, o custo cairia para R$ 108 bilhões até 2026 e R$ 121 bilhões até 2030, ainda abaixo das previsões mais pessimistas.
O que mostram os dados
A pesquisa de Brenck, elaborada com dados do Made-USP e a partir do estudo de Giambiagi, mostra os potenciais efeitos da política:
- Geração de renda: em proporção ao PIB, o impacto positivo cresce progressivamente de 0,19% em 2023 para 1% em 2026 nas estimativas do Made. Mesmo no cenário mais pessimista, o ganho chega a 0,7% do PIB até 2026.
- Arrecadação pública: o efeito sobre as receitas do governo acompanha esse crescimento. Nas projeções do Made, o aumento de arrecadação chega a 1,2% da receita pública em 2026, contra 0,7% no cenário pessimista.
- Custo fiscal acumulado: considerando juros, o custo final até 2026 seria de R$ 67,08 bilhões nas estimativas do Made, bem abaixo dos R$ 107,9 bilhões projetados no cenário pessimista. Para o período seguinte (2027-2030), Brenck estima um custo de R$ 73,9 bilhões, contra R$ 120,9 bilhões no cenário mais desfavorável.
Esses números reforçam a ideia de que, ao movimentar a economia e ampliar a arrecadação, a valorização do salário mínimo tem condições de se pagar em parte e de trazer benefícios duradouros à sociedade.
Benefícios sociais e estruturais
Além do impacto macroeconômico, a valorização do salário mínimo traz benefícios sociais diretos:
- Redução da pobreza e da desigualdade, já que grande parte dos beneficiados está entre os trabalhadores mais vulneráveis e aposentados de baixa renda.
- Melhoria da qualidade de vida, com mais acesso a alimentação, saúde, educação e lazer.
- Estímulo à formalização do trabalho, pois o mínimo valorizado fortalece a referência salarial nos acordos coletivos.
- Segurança para aposentados e pensionistas, cujos benefícios estão atrelados ao mínimo.
A economista reforça ainda que a sustentabilidade da política depende também de escolhas políticas:
“Passa a ser uma questão de rearranjo de gastos e escolha do governo. O gasto com tal política poderia ser coberto, por exemplo, por uma redução no montante de emendas impositivas e de supersalários, que têm efeito multiplicador baixo ou nulo”, destacou Brenck.
Para a economista, a preocupação com a dívida pública é legítima, mas a valorização do mínimo pode ser entendida como um investimento que retorna em crescimento, arrecadação e coesão social.
Matéria elaborada a partir de reportagem de Anaïs Fernandes no Valor Econômico (22/09/2025), com base em estudos de Fábio Giambiagi (FGV Ibre) e Clara Brenck (UFMG/Made-USP).
publicada originalmente no site Rádio Peão Brasil