Tedros Adhanom, o secretário da Organização Mundial da Saúde, alertou que junto à pandemia do coronavírus há uma infodemia, uma enxurrada de informações falsas aflitas e desorientadas. Isto se reproduz também nos números.
Enquanto atingimos no Brasil a marca quilométrica de 100 mil mortos e três milhões de casos confirmados (números redondos que consagram infelizmente a “normalização” da doença) vicejam as mais atordoantes numerologias porque todos sabemos que o pior é pior ainda que o numerado e não pode ser mascarado pelos números.
Os mais de cinco meses de pandemia contados em dias, em horas, em minutos e em segundos revelam-se milionários, mas confirmam – por falta de orientação segura, confiável, veraz e convincente – a alienação dos dirigentes políticos, dos formadores de opinião e até mesmo de parte da comunidade da saúde sobre as angústias e sofrimentos do povo que enfrenta a doença como tem podido, lutando para sobreviver (no duplo sentido).
O mesmo pandemônio instala-se nos números a respeito do desemprego e da crise social.
Com estatísticas precárias perde-se no cipoal das informações o essencial das dificuldades a serem enfrentadas. Afinal de contas, quantos são hoje os brasileiros e brasileiras sem trabalho, sem emprego, sem renda? Como adicionar o número dos desempregados ao número dos desalentados ou dos subempregados? Como quantificar aqueles que hoje trabalham, mesmo a distância, sejam empregadores, empregados, autônomos, informais e intermitentes?
O matemático Alfred Whitehead alertava que toda exatidão é uma fraude.
Em lugar de se perder nos números e buscar uma ilusória exatidão estatística devemos procurar entender, além dos números, como as relações de trabalho no Brasil estão desorganizadas com os empregados sofrendo agressões a seus direitos e ameaçados permanentemente de demissão.
Nunca tantos brasileiros e brasileiras não conseguiram trabalhar e sobrevivem com auxílios emergenciais que precisam ser mantidos como ato de salvação nacional, muito além de interesses políticos imediatos.
Não basta quantificar a tragédia; é preciso abrir os olhos e fazer que a solidariedade se exerça, sem aceitar a normalização de uma situação intolerável.
João Guilherme Vargas Netto é consultor sindical