Se até o poderoso presidente russo Vladimir Putin viu-se em maus lençóis com a terceirização de parte das forças armadas, o que dizer de nós, povo e servidores brasileiros, com esse processo nos serviços públicos? Ao terceirizar para o dono do grupo paramilitar Wagner, de 25 mil soldados, Yevgeny Prigozhin, missões de incursão na Ucrânia, Putin colheu há poucos dias uma enorme dor de cabeça.
Da mesma forma, vivem com dor de cabeça, e em outras partes do corpo também, os usuários e os profissionais das redes de saúde nos municípios brasileiros que as terceirizam. O careca mal encarado do grupo Wagner, que no começo do século vendia cachorro-quente em Moscou, tornando-se depois bem sucedido empresário de alimentação, cismou com o ministério da defesa.
No Brasil, prefeitos e outros governantes mal intencionados teimam em terceirizar não apenas serviços de saúde, mas também de educação, limpeza, assistência social e até segurança. O mercenário russo alegou a Putin, na ameaça de invadir a capital com sua tropa, boicote por parte do ministro da defesa, Sergei Shoigu, a quem também acusou de corrupção.
Por aqui, acusados e até condenados por corrupção são muitos administradores públicos que agem mancomunados com grupos não paramilitares, mas de saúde, beneficiários de terceirizações. Putin e Prigozhin acabaram fazendo um acordo, com mediação do presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, amigo de ambos, que concedeu asilo ao revoltoso.
Nas nossas cidades, estados e na federação, o conchavo também é prática corriqueira quando explodem escândalos de corrupção nos serviços terceirizados. Todos acabam se dando bem, menos o povo. As terceirizações, verdadeiras pragas resultantes do novo e do ultraliberalismo, há um bom tempo assolam o nosso país. Começaram pelas atividades-meio e depois chegaram às atividades-fim.
A passagem de uma para outra foi reforçada pela nefasta lei 13.429-2017, que alterou dispositivos da lei 6.019-1974 e dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas. Sancionada pelo então presidente Michel Temer, a lei sofreu enorme resistência do funcionalismo federal, estadual e municipal, por meio de seus sindicatos, federações, confederações e centrais.
A rampeira alegação de que as terceirizações visam a melhoria dos serviços é uma falácia. Na verdade, não passam da transferência de recursos para empresas que muitas vezes se escafedem sem contraprestação. Uma das finalidades das terceirizações públicas é angariar recursos para campanhas eleitorais por meio do mecanismo conhecido como ‘caixa dois’, como lembrou há poucos dias um sindicalista.
Foi o presidente do sindicato dos servidores municipais de Dois Córregos (SP), José Luiz Wagner, em programa ao vivo do Sindest Santos pelo Facebook, Youtube e Instagram. “Quanto você acha que custa uma campanha para prefeito numa cidadezinha do interior? Não menos que R$ 2 milhões, R$ 3 milhões. E de onde vem esse dinheiro? Boa parte, de terceirizações”, disse Wagner.
As terceirizações não são boas para os servidores e nem para as populações. Contra essa prática abominável, poderão lutar os sindicatos se forem cada vez mais fortes. Para isso, precisamos conquistar o chamado marco regulatório das relações de trabalho nos serviços públicos, garantindo plena liberdade sindical, inclusive com direito de greve.
Fortalecidos, os sindicatos poderão cobrar seriedade dos gestores públicos. Poderão acabar com a pilantragem de empresas ganharem licitações, receberem o dinheiro e sumirem. Haveremos de nos fortalecer para exigir concursos públicos e a contratação de servidores efetivos, sem contratações por tempo definido ou terceirizações.
Zoel é professor, formado em sociologia e presidente do Sindserv (sindicato dos servidores municipais) Guarujá