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Uma sociedade sem futuro: a desintegração social e os desmonte dos direitos trabalhistas

segunda-feira, 24 de abril de 2017

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Uma sociedade sem futuro: a desintegração social e os desmonte dos direitos trabalhistas

Por: Marilane Oliveira Teixeira

Disfarçado por um discurso de modernização das relações de trabalho e de aperfeiçoamento de regras da previdência social se esconde o mais perverso e destrutivo desmonte dos direitos sociais de toda a nossa história.  A conquista de um patamar civilizatório mínimo nas relações entre capital e trabalho duramente alcançados estão sendo fortemente ameaçados pela PEC nº 287/16 e o PL nº 6.787/16, ambos em tramitação na Câmara Federal e, para completar, em março a Câmara aprovou o PL nº 4.302/98 sancionado em 31 de março e agora Lei nº 13.429 que libera a terceirização para todas as atividades, seja no âmbito público ou privado.   Com esse projeto todas as pessoas contratadas diretamente poderão ser substituídas por prestadores de serviços para a realização de qualquer tipo de atividade.

Nessa perspectiva, dá-se início ao desmonte do Estado através de um conjunto de medidas coordenadas cujo objetivo é criar um ambiente institucional favorável para o capital produtivo e para o rentismo assegurando aos últimos a sua rentabilidade através da redução dos gastos públicos e da reforma da previdência e aos primeiros um ambiente favorável para a retomada de um novo ciclo de crescimento por meio da reforma trabalhista e da aprovação do projeto de terceirização.
E, com isso, a estratégia de desmonte das políticas sociais e de retirada de direitos serve a dois propósitos: reduzir o tamanho do Estado na formulação e implementação de políticas públicas abrindo caminho para a redução da carga tributária atendendo com isso pleito antigo dos empresários que pressionam por redução de impostos e pela reforma trabalhista.

O parecer do Projeto de Lei nº 6.787 divulgado no dia 12 de abril consegue ser muito pior que a proposta original encaminhada pelo executivo em dezembro de 2016. O relatório desmantela conquistas históricas da classe trabalhadora e propõem mudanças substantivas em mais de 100 itens da CLT, em uma completa inversão dos fatos o relatório responsabiliza o que denomina de “excessos” da legislação pelo desemprego e informalidade e, com isso, reforça a individualização das relações de trabalho, o enfraquecimento dos sindicatos e da justiça do trabalho. Ou seja, são os trabalhadores com acesso a direitos e proteção social os responsáveis pela parcela que está fora do mercado de trabalho. A crise econômica que derrubou o PIB em mais de 7,5% entre 2015 e 2016 e produziu mais de 13 milhões de desempregados é vista apenas como consequência de uma legislação inflexível e anacrônica.

Uma ironia para uma sociedade em que os empresários descumprem cotidianamente com os direitos trabalhistas, praticamente metade das ações trabalhistas se refere a indenizações rescisórias em uma economia que a dispensa imotivada é recurso utilizado largamente pelas empresas para reduzir salários. Somente em 2016 foram movimentados mais de 30 milhões de homens e mulheres entre dispensas e contratações.

Trata-se de um desmonte dos direitos sociais e das organizações sindicais e do próprio judiciário uma vez que restringe o acesso dos trabalhadores por esse meio debilitando o nosso já frágil sistema de regulação do trabalho, além de prever que acordos por empresa se sobreponham a CLT e as convenções coletivas firmadas pelas categorias profissionais em um contexto em que as práticas antissindicais, a perseguição a organização sindical e a demissão imotivada é conduta recorrente.

As principais medidas contidas no relatório do projeto de reforma trabalhista e no projeto de terceirização aprovado pela Câmara federal individualizam as relações de trabalho e reduzem o grau de proteção social garantidos pela CLT e pelos instrumentos normativos, com isso, as empresas estarão livres para impor condições de pactuação que afetam os direitos constituídos impondo novas regras de contratação e realização do trabalho, ou seja, é o retorno ao século XIX em que prevalecia as formas mais desumanas de contratação.

Para além das formas de contratação já previstas em lei está sendo proposto a reedição do contrato em tempo parcial que poderá variar entre 25 e 30 horas semanais; o contrato intermitente, com alternância de períodos de prestação de serviços; teletrabalho sem controle de jornada. Além disso, a jornada poderá alcançar 12 horas diárias, banco de horas e compensação de jornada poderá ser firmado individualmente, redução do horário de almoço para 30 minutos, os feriados poderão ser alterados para evitar as pontes, bem como parcelamento de férias em três períodos, acordos salariais individuais através de livre negociação, salário por produtividade, planos de carreira e acesso a promoção individualizados aprofundando a já heterogeneidade do mercado de trabalho. Desde que autorizado mulher gestante e lactante poderá trabalhar em ambiente insalubre, assim como a jornada para aqueles que trabalham em ambientes insalubres poderá ser ampliada sem previa licença das autoridades.  A demissão desde que ajustada entre empregado e empregador representará pagamento de metade das verbas rescisórias e redução do acesso ao FGTS, o trabalhador e a trabalhadora serão obrigados ao final de cada ano a dar quitação dos valores recebidos ao longo do ano, coagindo-os sob o risco de serem demitidos no caso de recusa.

Trata-se de um conjunto de medidas que altera profundamente as relações de trabalho, retira direitos, intensifica a jornada e o ritmo de trabalho, expõe as pessoas a condições de insegurança com forte impacto sobre a saúde e segurança no trabalho, individualiza as relações e amplia o controle do capital sobre o trabalho.  Com isso teremos o trabalho totalmente submisso e sem controle de jornada e de remuneração dois aspectos fundamentais das relações de trabalho e ao individualizar as relações promoverá maior fragmentação dentro do ambiente de trabalho rompendo os laços de solidariedade e de identidade de classe, fortalecendo a representação dos trabalhadores com poderes de negociação em contraposição aos próprios sindicatos quando os interesses não coincidirem.

Portanto, o efeito destas medidas é retirar direitos e fragilizar a ação coletiva dos trabalhadores, enfraquecer as entidades sindicais através do fim do imposto sindical que, segundo o relatório, só poderá ser descontado do trabalhador que autorizar por escrito a contribuição. As propostas de alteração na sustentação financeira das entidades não têm o objetivo de fortalecer a representação dos trabalhadores, mas desestruturá-la para que não se constitua em uma força política capaz de reagir a retirada de direitos. A intenção é de enfraquecer os sindicatos para avançar na flexibilização e no desmonte social.

A insensatez das medidas compromete profundamente o futuro do trabalho e o acesso a previdência pública. Conforme dados da ANFIP de 2014, 51% do financiamento da seguridade social advém da massa salarial. A reforma trabalhista e o PL da terceirização impõem novas formas de contratação que reduzem os rendimentos do trabalho, precariza as suas relações e compromete a própria contribuição previdenciária. Trata-se de contratos que carregam elevado grau de precariedade a exemplo dos   contratos temporários, intermitentes, parciais e firmados com pessoas jurídicas (PJs) com significativa queda na capacitação de arrecadação. Além disso, por se tratar de contratos precários haverá maior exposição a longos períodos de desemprego e retorno ao mercado de trabalho em condições mais desfavoráveis e com salários menores. O resultado disso será uma sociedade sem futuro.

Marilane Oliveira Teixeira é Economista e assessora sindical
 

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