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Dica de Filme – O Carteiro e o Poeta: a poesia como elemento de transformação social e política
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
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O CARTEIRO E O POETA
(Il Postino, Itália, 1994)
Direção: Michael Radford
Roteiro: Anna Pavignano, Michael Radford, Furio Scarpelli, Giacomo Scarpelli e Massimo Troisi, baseado em livro de Antonio Skármeta
Elenco: Massimo Troisi, Philippe Noiret, Maria Grazia Cucinotta, Linda Moretti, Renato Scarpa
Drama / Comédia
108 minutos
Premiações:
– Oscar: Trilha sonora.
– Indicação ao Oscar: Filme, Diretor, Roteiro adaptado, Ator (Massimo Troisi).
– Bafta: Filme em língua estrangeira, Diretor, Trilha sonora.
– David di Donatello: Montagem.
– Crítica de Londres: Diretor do ano, Filme em língua estrangeira.
– Mostra Internacional de São Paulo: Prêmio da audiência de melhor filme.
Até que ponto a poesia transforma a realidade de nossas vidas e do mundo?
Inseridos num mundo cada vez mais técnico, burocrático, fast-food, a poesia é tratada como algo muito distante da realidade, coisa de lunáticos, de pessoas que buscam o escapismo por meio de traços com letras carregados de significados.
Mas a verdade é que a poesia exerce um poder transformador nas pessoas. É válido lembrar que poesia, ao contrário do que se cristalizou no imaginário coletivo, não trata apenas sobre o Amor, o belo, o sublime. Esta é uma visão reducionista.
A poesia, contextualizada num universo maior, o da Literatura, das Artes e da vida, não é um elemento fora da realidade, ao contrário, reflete-a, analisa-a, condensa-a, questiona-a.
E ninguém é a mesma pessoa, não compreende o mundo da mesma forma após se deparar com grandes obras. A arte, em síntese, não é perfumaria, mas também instrumento de compreensão social, em sentido amplo.
Ninguém mantém os mesmos conceitos do mundo e da vida após conhecer grandes obras como “Germinal”, de Zola; o mundo do trabalho e a sociedade depois de “Admirável Mundo Novo”, de Huxley; o totalitarismo a partir de “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell; terá a mesma visão de mundo após compartilhar ideias contidas nos textos de Pablo Neruda.
São obras que se entrelaçam em nossas vidas, que se agarram em nossos neurônios e ampliam a nossa visão de mundo, expandem o conhecimento, transformam-nos num constante processo dialético, das letras para a realidade, e consequentemente, para uma nova visão da realidade depois da leitura.
Nesse sentindo em que, ao contrário do que pensam os pragmáticos, a cultura tem o poder de gerar sonhos, a arte tem um poder transformador.
O filme “O Carteiro e o Poeta”, traz um recorte na vida do poeta Pablo Neruda, vencedor do Nobel de Literatura de 1971 que, após ter que fugir do Chile diante do golpe e a ditadura imposta pelo General Pinochet, vê-se obrigado a exilar-se numa pequena ilha na Itália.
Na ilha, para atender ao poeta, o governo precisa de um carteiro, exclusivo, para levar as correspondências de Neruda. Eis que Mario Ruoppolo se candidata e assume o posto que mudará sua vida completamente.
Nessa passagem pela Itália, Neruda (interpretado magistralmente por Phillip Noiret), ao lado de sua musa Matilde, conhece o carteiro Mario Ruoppolo (Masimo Troisi).
Mario é um homem simples, filho de pescador, que não deseja dar sequência à tradição de se tornar mais um barqueiro na ilha.
Depois de algumas entregas, o carteiro, curioso para entender o que seria e como se dava a vida de Neruda inicia um diálogo com o poeta. E é a partir dessas conversas que o mundo de Mario, que antes só se concebia nas margens da ilha, tranforma-se.
“O Carteiro e o Poeta” não se resume à vida de Neruda no exílio, mas sim a relação que ele estabelece com o carteiro, e como o conhecimento transmitido é capaz de transformar a vida de um homem simples, que aspira compreender o mundo além de barcos, redes de pescar e os limites geográficos da pequena ilha.
Mário Ruppolo vai adquirindo uma nova visão de mundo a partir das poesias, suas relações com a sociedade se modificam e, então, muitas verdades cristalizadas começam a se estilhaçar.
O filme apresenta momentos mágicos como a cena em que o carteiro, intrigado para saber quem era Neruda, compra uma obra do autor, começa a ler suas poesias e tenta entender o que se passa na cabeça do poeta.
Em outra cena, não menos bela e intrigante, Mário pergunta a Neruda o que é metáfora. Em meio aos questionamentos, Mario começa a perceber que o povo é um homem conectado com o mundo, não só o onírico, mas o mundo das pessoas, do trabalho, os conflitos sociais, da política.
Em meio à amizade estabelecida entre o carteiro e o poeta, Mario conhece a paixão. Inebriado pela bela Beatrice Russo, recorre à Neruda para que lhe “ensine” a poesia, de modo a conquistar a jovem.
O filme aborda a relação de Neruda e o carteiro sob duas temáticas: sobre o Amor, por meio da relação Mario/Berenice e a Política, quando mostra a vida de exploração dos pescadores locais e fala sobre o seu livro “Canto Geral”.
Neruda, gentilmente, vai com Mário à taberna onde Berenice trabalha, valoriza o simples carteiro e todos no povoado passam a observá-lo de outra maneira, assim como Berenice. Desta forma, une-os e faz com que o carteiro depare-se com a paixão e os sentimentos da alma humana.
No plano político, Neruda referencia o ‘Canto Geral’, “um extraordinário trabalho poético-político, que reúne 340 poemas, que recriam a história da América Latina sob ótica da dialética materialista do Marxismo, refletindo como tema central a luta das classes desfavorecidas por justiça social, onde mostra o mais profundo conhecimento da história, geografia e da política latino-americana, vendo na força de trabalho a forma motriz da história. Pelo seu envolvimento social, afirma-se que a posição poética de Neruda também é política, pois, ao mesmo tempo está preocupado em relatar através de suas poesias, os problemas sociais e políticos do seu tempo”.
A relação encerra-se quando Neruda tem de partir da ilha. Os corpos se separam, no entanto, o simples carteiro já não é mais o mesmo.
Mário percebe o mundo com outros sentidos e conceitos. Engaja-se na oposição política, começa a compreender os abusos cometidos pelos poderes locais, a exploração dos pescadores, a manipulação das eleições, dentre outras questões.
O carteiro foi como uma árvore talhada em forma de canoa por Neruda. Depois da relação com o poeta, a alma de Mario não conseguiria, nunca mais, se relacionar e voltar ao mundo como árvore.
Depois de conhecer Neruda, já utilizava sua língua/Língua muito além de simplesmente selar cartas. O mundo, a partir do conhecimento, era objeto de estudo e questionamento.
E eis que as Artes transformam os homens e a sociedade. Não é desligada do mundo real, ao contrário, é totalmente ligada ao mundo, às pessoas, ao seu modo de vida, à alma e à história da humanidade.
Curiosidades:
O ator e roteirista Massimo Troisi adiou uma cirurgia cardíaca para poder completar o filme. No dia seguinte ao término das filmagens, ele sofreu um ataque cardíaco e morreu. Como já ocorrera em “Cinema Paradiso”, o ator francês Philippe Noiret foi dublado por não falar italiano nem espanhol.
Trecho do filme em:
http://www.youtube.com/watch?v=6Oi8cwZ-lK4&feature=related
Bibliografia:
GODOY, Elena. Sobre a poesia política de Pablo Neruda. Revista Letras, Curitiba, n. 65, p. 71-91, jan./abr. 2005. Editora UFPR.