Na próxima quinta-feira, dia 20, o Supremo Tribunal Federal irá começar a julgar uma ação que questiona a constitucionalidade do uso da Taxa Referencial, a TR, como fator de correção monetária das contas vinculadas do FGTS. Essa ação é de grande interesse dos trabalhadores, pois essas contas formam uma poupança para enfrentar a demissão e para comprar a casa própria, entre outras finalidades. Atualmente, corrigir as contas pela TR não protege essa poupança de perdas inflacionárias, e essa situação precisa mudar.
Quando o FGTS foi criado, na década de 1960, o trabalhador demitido tinha direito a receber, do empregador, o pagamento de um salário mensal por ano trabalhado. Alegando que esse direito muitas vezes era sonegado, o governo criou o Fundo para receber contribuições mensais de 8% do salário de tal modo que, no momento da demissão, haveria a poupança equivalente a tal indenização. O trabalhador poderia sacar o montante independentemente da situação financeira do empregador. Para que a relação de um salário por ano fosse mantida por períodos longos, o valor dos depósitos precisaria acompanhar a inflação.
O governo passou a fiscalizar as contribuições e, principalmente, gerir o fundo formado por esses depósitos. Sob controle da União, o Fundo foi vital para financiar a habitação no Brasil, que passava por rápida urbanização do país e com enorme déficit de moradias. Ainda hoje, se estima a necessidade de mais de 6 milhões de unidades habitacionais e de melhoria nas condições de mais de 20 milhões de lares. Para remunerar os trabalhadores pelo uso de sua poupança a lei fixa juros de 3% ao ano, além da correção monetária.
Porém, desde o início da década de 1990, quando a correção monetária das contas do FGTS passou a ser feita pela TR, tem havido perdas inflacionárias sucessivas. Isso se deu principalmente a partir de 1999, quando essa taxa se descolou dos índices de inflação. Fazendo os cálculos a partir de janeiro de 1999, até dezembro de 2022, a TR acumulou 44,08% de variação, contra 354,78% de incremento no INPC-IBGE. Isso significa um valor qualquer depositado no início desse período teria perdido 68,32% de seu poder de compra no final. Em todos esses anos, a TR ficou abaixo do INPC. Considerando também os juros, em somente 5 de 24 anos as contas tiveram rendimento maior do que a inflação.
A situação ficou um pouco melhor pras contas vinculadas de 2016 em diante porque o FGTS passou a distribuir parte de seus resultados pros trabalhadores. Mesmo assim, em 2020 e em 2021, o repique inflacionário foi tão grande que mesmo com essa distribuição houve pequenas perdas de valor real. Ou seja, é preciso estabelecer regras que garantam a efetiva correção monetária das contas do FGTS para não haver prejuízos aos cotistas, principalmente quando a inflação aumenta muito.
Trocar de índices para parece uma questão simples, mas não é. Um dos motivos é exatamente o importante papel do FGTS no financiamento da moradia popular, que precisa ser de longo prazo e a taxas acessíveis a trabalhadores e trabalhadores de baixa renda. Hoje, somente pelo uso da TR como indexador desses contratos é que se viabiliza programas habitacionais com recursos do Fundo, para 335 mil famílias ou mais, e gerando 1,5 milhão de empregos (dados de 2021).
Se a TR for trocada por índice de inflação nas contas vinculadas, será preciso achar um indexador compatível nos contratos de financiamento a fim de manter o equilíbrio do Fundo. Esse ponto tende a ser crucial para o futuro do FGTS como um dos principais fundos de financiamento econômico e social do país e que deveria motivar a busca por uma solução que preserve a possibilidade de financiamento da habitação popular, do saneamento e da infraestrutura urbana.
O segundo motivo de complexidade tem a ver com um eventual efeito retroativo de uma possível troca da TR por índice de inflação, ponto que vem dominando o noticiário sobre o julgamento pelo Supremo. Dependendo dessa retroatividade, o impacto financeiro em prol dos cotistas do Fundo poderá atingir centenas de bilhões e que recairá sobre a União. Natural que os olhos dos trabalhadores mirem com mais atenção a possibilidade de recuperarem as perdas dessa poupança no passado, mas não se deveria ignorar o papel social e a perspectiva de futuro para o FGTS.
Clovis Scherer é Economista do DIEESE