Imagem do dia
Enviar link da notícia por e-mail
Artigos
As dimensões de um profissional
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Artigos
Tempos atrás conversando com um brilhante profissional da área de ergonomia disse a ele o quanto seria bom que ele escrevesse alguma coisa sobre a ergonomia da alma.
Disse isso, porque não é fácil quase todos os dias ver gente muito mais do que desgastando partes do corpo, curvando sua essência diante de sistemas e situações que acima de tudo vão de encontro de forma dura a princípios e valores. Ter que mentir, simular ou fazer de conta para sobreviver profissionalmente talvez cause as maiores dores que muitos de nos temos que aceitar em nome da sobrevivência. Maior do que as dores no entanto são as sequelas que já se fazem sentir de forma forte em todas as sociedades
É interessante demais olhar além do que habitualmente olhamos quando o assunto é o mundo do trabalho. O que hoje chamam de saúde mental no trabalho tem um conteúdo tão complexo e extenso que certamente não serão apenas uma ou duas ciências que nos levarão a qualquer conclusão. E muito antes da preocupação nobre com a vida – talvez isso de torne urgente – pela forma que vem incapacitando pessoas e colocando em risco a manutenção do modelo e relação de trabalho.
Em algumas de minhas palestras reafirmo que muitos antes de ser um trabalhador, cada um de nós tem uma história de vidas e papeis. Desde que passamos a entender um pouco mais a vida vamos ganhando forma por nossas crenças, nossos valores, nosso conceitos e uma série de outros fatores que fazem com interpretemos a vida. Antes de ser empregado de uma determinada organização, tenho em mim os valores que recebi dos que me criaram e dos grupos com quais convivi (conceito social) , a ligação com a pátria onde nasci (conceito de cidadão), tenho o credo que adotei (conceito espiritual), a formação profissional que recebi (conceito profissional), etc. E é assim que chegamos ao mercado de trabalho pois não contratam apenas o nosso saber.
Quando levamos tudo isso para dentro do mundo corporativo passamos em muitos casos a viver uma grande dualidade muito especialmente porque boa parte das ações que dizem respeito a vida humana são mais parte do marketing do que da realidade e do dia a dia. Em muitos casos para sobreviver profissionalmente há a necessidade de morrer como cidadão e como pessoa e isso embora seja muito sutil tem um peso extremo na vida humana, Para se ter sucesso na carreira muitas vezes é preciso mais do que competência e boa parte deste muito mais choca-se frontalmente com tudo aquilo que nos sustenta e isso gera muita dor – aquela dor que ainda temos muito dificuldade de mensurar.
Se isso é uma realidade para todas as profissões imaginem como isso se dá com aquelas profissões que lidam diretamente com vidas humanas. O limite nestes casos não se trata de dar certo ou errado um produto ou um projeto – mas tem impactos e consequências reais na vida de uma ou muitas pessoas. Para aquele que está vivendo o papel de empregado a assimilação no papel de profissional pode ser dissimulada com a partir da ideia de que os fins justificam os meios – mas qual será de fato o impacto real que isso causa na essência daquela pessoa ?
Com tudo isso quero chamar a atenção dos profissionais de segurança e saúde no trabalho para o quanto tudo isso pode e afeta nossas vidas. Em nome de resultados, pelo bem da placa de acidentes ou mesmo para a manutenção de nossos empregos e contratos podemos estar como empregados assumindo situações que ferem nosso profissional, que desviam nossa conduta cidadã e que vão frontalmente de encontro aos nossos princípios éticos e/ou espirituais. E tudo isso pode há muito tempo estar acima do limite de tolerância mais subjetivo que se possa imaginar – agindo silenciosamente dentro de nós e tirando – tal como o mais sutil dos agentes – a nossa saúde existencial.
Médicos do Trabalho, Engenheiros de Segurança, Enfermeiros do Trabalho, Tecnicos de Segurança do Trabalho e Tecnicos de Enfermagem do Trabalho não são peças de uma estrutura – são seres humanos, que cresceram com crenças e valores e um dia escolheram uma profissão para através dela servir a sociedade com seu sentir e saber. Quando estão atuando são pagos por uma empregador mas isso não faz com se desvinculem de qualquer forma dos seus demais papeis sociais – porque antes do trabalho existe a vida – porque durante o trabalho segue a vida e depois do trabalho o que devemos encontrar também é a vida.
Vejo hoje tanta gente infeliz e frustrada – supostamente realizada profissionalmente. Talvez o grande remédio seja lembrar que o trabalho deve ser parte da realização da pessoa que há em nós e não apenas provedor para os remédios para ocultarmos nossos males.
A todos um grande abraço pelo 28 de abril e o 1 de maio recentemente comemorados e que estas datas nos façam olhar um futuro onde o trabalho seja caminho para a realização humana.
Cosmo Palasio de Moraes Jr é Técnico de Segurança do Trabalho e Coordenador do e-grupo SEBMT