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As ideias econômicas do conservadorismo autêntico

terça-feira, 30 de julho de 2013

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As ideias econômicas do conservadorismo autêntico

Por: Paulo Kliass

O conservadorismo autêntico continua presente, exibindo suas ideias e buscando espaço para um eventual retorno à cena principal. Cabe aos responsáveis pela política econômica não enveredar por caminhos que contribuam para criar um ambiente favorável a tais projetos.
 
Paulo Kliass
 
 As evidentes dificuldades apresentadas pela equipe de governo em lidar com as questões centrais da política econômica têm causado grande desgaste à Presidenta Dilma e prejudicado a credibilidade quanto à busca de saídas para o baixo crescimento das atividades em nosso País.

A ausência de sinalização a respeito de um rumo claro a ser adotado tem provocado uma enorme confusão entre os chamados “agentes econômicos”, a respeito de qual seria a verdadeira tendência a seguir em vários aspectos das políticas públicas. Vejamos alguns desses elementos:

a) política monetária: o início do mandato foi marcado pela manutenção da taxa de juros oficial nas alturas, provocando um custo elevado nas operações de crédito para empresas e famílias. Foram 15 meses com SELIC acima de 10%. A tendência logo depois é revertida e a taxa é reduzida 7,25%. No entanto, ao longo dos últimos meses, mais uma vez, a opção foi pela retomada da alta nos juros. Um ziguezague desorientador.

b) política cambial: o governo optou pelo discurso favorável à manutenção da “liberdade cambial”, com as consequências obviamente negativas da valorização artificial de nossa moeda. No período de juros muito elevados, por exemplo, a cotação chegou a R$ 1,54 por dólar. Em seguida, o governo passa a aceitar alguma mudança – positiva, diga-se de passagem – no patamar da relação do real com o dólar norte-americano, que chega a superar R$ 2,25 por dólar. Mas teme que isso provoque efeitos na inflação. Não há clareza a respeito da essência de tal política.

c) política fiscal: a Presidenta Dilma faz questão de ressaltar, a todo momento, seu compromisso com a chamada “austeridade fiscal”. Esse fio orientador para o conjunto de sua equipe, e para a sociedade de forma geral, se vê reforçado pela geração sucess iva de superávit primário ao longo dos exercícios. Porém, esse tipo de estratégia compromete a execução orçamentária nas áreas do social e dos investimentos. Ao invés de assumir publicamente a necessidade de mudar tal orientação, o governo recorre a manobras contábeis e artifícios casuísticos de maquiagem do superávit. Com isso, o instrumento da política fiscal acaba perdendo a credibilidade necessária.

d) política tributária: desde o início da crise em 2008, a política de isenção e desoneração tributária passou a ser utilizada em maior escala, com o objetivo de reduzir preços e manter a demanda interna aquecida. Porém, o governo lançou mão de outros instrumentos de redução de tributos, como foi o caso da desoneração previdenciária da folha de pagamentos das empresas e dos impostos sobre aplicações de recursos externos no mercado de capitais. Ora, esse tipo de medida – executada no afogadilho e sem nenhum planejamento – apena s contribui para reduzir a capacidade arrecadadora do Estado e compromete a execução das políticas públicas.

e) política de concessões: a continuidade do processo de privatização dos serviços públicos deu-se pela via da concessão dos mesmos ao capital privado. Assim, tem sido o caso das rodovias, das ferrovias, dos portos, dos aeroportos, entre outros. Porém, a cada leilão ou licitação realizada, o governo acaba cedendo às pressões do empresariado interessado, o que provoca redução dos recursos a serem pagos ao poder público, aumento das tarifas previstas e elevação das taxas de rentabilidade asseguradas aos consórcios vencedores. Ao sinalizar com esse tipo de flexibilidade de forma recorrente, o governo reforça a postura de chantagem do capital, que simula desinteresse e exige sempre melhores condições e mais benesses.

A esse quadro de preocupante instabilidade começam a se agregar os resultados negativos quanto ao aumento da inflação, à elevação do déficit no setor externo e ao baixo desempenho do PIB. Esse é o caldo de cultura ideal para que os setores conservadores comecem a trabalhar seus porta-vozes em busca de mudanças de rota e de pessoas nos cargos mais importantes na esfera econômica. Ainda que a orientação básica do governo tenha se comportado bastante favorável e adequada aos interesses do capital ao longo da década, o fato é que a pressão por mudanças mais radicais nunca deixou de se fazer presente.

As origens das ideias do conservadorismo
Durante a primeira quinzena deste mês, dois economistas renomados lançaram algumas de suas ideias a respeito do que deveria ser feito, de acordo com a lógica mais ortodoxa e liberal. Ambos eram professores da PUC/RJ e a partir da década de 1980 tiveram a oportunidade de se iniciar como responsáveis pela política econômica na área federal. Em seguida, tornaram-se banqueiros. Profissionais bem preparados, formaram parte do núcleo duro que se encarregou pela divulgação e implementação dos alicerces e fundamentos do neoliberalismo por nossas terras. Depois que os tucanos saíram do governo federal, eles se reúnem periodicamente em um instituto de pesquisa no bairro carioca da Gávea, a Casa das Garças. Fica situado a apenas algumas centenas de metros daquele campus universitário, onde tudo começou e continua – os meninos da PUC.

O foco central da abordagem conservadora continua sendo a questão do Estado. Aqueles que propugnavam que a História tinha chegado a seu fim, também consideram que tudo o que é público carrega em si um karma negativo e a solução a ser perseguida é – sempre! – o Estado reduzido à sua dimensão mínima. Mas nessa luta desesperada para justificar essa causa anacrônica, acabam por se valer de argumentos que não encontram nem mesmo respaldo na realidade concreta.

Reflexões de Lara Rezende
Vejamos o que pensa André Lara Rezende, em artigo publicado no Valor Econômico:

“O Estado brasileiro tornou-se um sorvedouro de recursos, cujo principal objetivo é financiar a si mesmo. Os sinais dessa situação estão tão evidentes, que não é preciso conhecer e analisar os números.”

Porém, o fato é que os dados e informações oficiais – que ele acha que nem precisam ser conhecidos – demonstram um quadro bem diferente. Em primeiro lugar, quase a metade dos recursos do Orçamento da União são destinados para o pagamento de juros e serviços da dívida pública – gasto parasita, na esfera do financismo. Em seguida, em que pese todo o esforço que foi feito em sentido contrário na época de ouro do neoliberalismo, boa parte dos recursos públicos ainda são alocados em setores s ociais, como a educação, a saúde, previdência e assistência social. Apesar de todos sermos a favor de uma melhoria na gestão da máquina estatal e de maior eficiência na alocação do gasto público, o Estado brasileiro está longe de ser um ente que “se financia a si mesmo”. Na verdade, esse tipo de assertiva só pode ser compreendido como a pavimentação do terreno para a volta de propostas sugerindo privatização completa desses últimos resquícios de Estado de bem estar social.

Em seguida Lara Rezende se aventura a explicar fenômenos como a sobrevalorização cambial e a desindustrialização, com base em uma suposta repartição do espaço público entre os diferentes agentes da base política do governo. Uma loucura! Vejamos aqui:

“A combinação de um projeto anacrônico com o loteamento do Estado entre o sindicalismo e o fisiologismo político, ao contrário do pretendido, levou à sobr evalorização cambial e à desindustrialização.”

Ora, qualquer indivíduo minimamente informado a respeito do fenômeno econômico sabe que a valorização artificial e excessiva de nossa moeda guarda relação direta com a enxurrada de recursos externos, que se explica pela alta taxa de juros aqui praticada. E isso só foi possível graças à abertura tresloucada de nosso mercado ao capital especulativo internacional, que foi levada a cabo quando eles estavam à frente da política econômica. Esse mesmo fenômeno acaba provocando consequências negativas para a atividade industrial interna, uma vez que os preços dos manufaturados importados ficam muito baixos e os nossos produtos industriais não conseguem condições de competir tampouco nos mercados externos. Pressão sindical e fisiologismo político passam longe de tais movimentos.

Propostas de Pérsio Arida
Em entrevista concedida ao mesmo jornal, Pérsio Arida avança outras ideias do conservadorismo genuíno e sincero. Logo no início, identifica aquele que seria um dos maiores problemas de nossa economia: a questão da remuneração da força de trabalho. Vejamos aqui:

“Várias medidas necessárias dependem de vontade política. A mais óbvia é mudar a lei de indexação do salário mínimo. É uma excrescência: o mínimo sobe automaticamente com o PIB, em termos reais. Quem ganha salário mínimo merece ter aumento real, é obvio que sim. Mas o problema não é esse. É que ele é piso para todas as negociações sindicais. A economia funciona como se tivesse choques de salário real e indexa as aposentadorias.”

A crueldade da observação não esconde o sentido de classe presente no raciocínio. Ora, em tese parece razoável imaginar que se há crescimento da economia, então o resultado dessa ampliaÍ ão real do PIB deva ser repartido por todos os setores da sociedade. Mas, aqui, não! É uma “excrescência” que o salário mínimo receba esse mesmo ganho real (sic). Os trabalhadores não merecem compartilhar do crescimento da economia nacional. Apenas o capital deve ser beneficiado por essa elevação de renda. Isso sem levar em conta a enorme dívida histórica que a sociedade brasileira tem para com os que vivem apenas de sua capacidade laboral e que, precisamente por isso, merecem receber um tratamento mais acelerado de recomposição de seu poder aquisitivo.

Não contente em sugerir a redução de direitos ao conjunto dos trabalhadores da ativa, Arida passa a tecer considerações a respeito dos aposentados e do nosso modelo previdenciário. Ao ser indagado se seria ruim um sistema que repassa ganhos reais para as aposentadorias, ele afirma o seguinte:

“O Brasil é o único país que conheço no mundo que dá compulsoriamente aumento real de pensão para aposentados. No fundo, está tirando renda dos segmentos ativos da sociedade e transferindo para os aposentados.”

Mais da metade dos benefícios concedidos pelo Regime Geral de Previdência Social não supera o valor de um salário mínimo mensal. Uma parcela bastante reduzida alcança a soma de 2 salários. Ora, não é concebível criticar o modelo por incorporar esses ganhos reais de alguns pontos percentuais a cada biênio, segundo o que estabelece a legislação. Não são os aposentados que estão “tirando renda” dos segmentos ativos da sociedade. Na verdade, os inativos já estão mais do que prejudicados pela vigência da fórmula do “fator previdenciário” (criado ainda no governo de FHC e mantido desde então). Essa redução do valor dos benefícios e de outros gastos públicos ocorre para que possam ser beneficiados os setores de renda elevada, esses sim os que se apropriam do r entismo financeiro gerado pelo próprio Estado.

Além disso, Arida se esquiva de mencionar o fato de que foram justamente a política de valorização do salário mínimo, a manutenção da política da previdência social e as alocações do tipo Bolsa Família que permitiram ao Brasil se voltar para o mercado interno a partir de 2008 e evitar um maior prejuízo provocado pela crise financeira internacional.

Mais à frente, o autor resvala para o comércio internacional e faz algumas considerações carregadas de significado, pois implicam o retorno à política externa do período anterior a 2003. Suas palavras são as seguintes:

“Mas acho que fazer acordos de livre comércio com os parceiros comerciais que importam, que são Estados Unidos, Europa e Ásia, seria mais produtivo do que insistir no caminho do Mercosul.”

Assim, o ideal seria abandonar o projeto estratégico de cons olidação do bloco regional e das políticas comerciais na linha do chamado “sul-sul”. Segundo ele, a opção mais adequada deveria ser a retomada da via preferencial pelos países ricos, com a definição de Estados Unidos e Europa como parceiros prioritários. Uma loucura! Ao longo da última década – por mais críticas que se possa fazer ao modelo neocolonial baseado no setor primário exportador – o Brasil conseguiu diversificar sua corrente de comércio e deixou de ser dependente apenas da economia norte-americana. O Mercosul passou a ter um peso cada vez mais expressivo em nosso regime de trocas, assim como a China. Aliás, não fosse tal reorientação e estaríamos ainda em piores condições, haja vista as consequências provocadas pela recessão nos países do Hemisfério Norte.

Como se pode perceber, o conservadorismo autêntico continua presente, exibindo suas ideias e buscando espaço para um eventual retorno à cena principal. Cabe aos responsÍ veis pela política econômica não enveredar por caminhos que contribuam para criar um ambiente favorável a tais projetos. Afinal, estão baseados em princípios que a própria história recente acabou por relegar à condição de coadjuvante no debate econômico.
 
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10

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