No próximo dia 7 de setembro o Brasil completará 200 anos de sua Independência, declarada às margens do rio Ipiranga pelo príncipe Dom Pedro I, sendo este um marco histórico que nos faz refletir sobre as diferentes tentativas de manipulação e disputa das narrativas que envolvem esta data até os dias de hoje. Em 1922, na comemoração do centenário do Grito de Independência, o então presidente Epitácio Pessoa promoveu uma grande festa para inaugurar o Museu Histórico Nacional e reivindicar o caráter cívico e patriótico da celebração.
Em 1972, nos 150 anos da Independência, a ditadura militar realizou um enorme desfile para, de um lado, ocultar a censura, violência, tortura e retirada de direitos (civis, políticos e sociais) e, de outro, exaltar o 7 de setembro como símbolo de uma fantasiosa conquista militar da nação. Não por acaso a ditadura militar trouxe de Portugal os corpos de Dom Pedro I e Maria Leopoldina para a “comemoração”, e agora, o atual governante traz o coração de Dom Pedro I ao Brasil. Como parte da narrativa anti-democrática, Bolsonaro pretende se comparar a Dom Pedro I, como se ambos fossem, no limite, forçados a dar um golpe pelo bem da nação.
Os fatos históricos, porém, são bastante diferentes da caricatura encampada pela ditadura militar e pelo atual presidente. Diferente da América espanhola, em que os processos de independência resultaram em Estados Republicanos, aqui a Independência deu lugar à Monarquia que estendeu a exploração do trabalho escravo até 1888, tornando o Brasil o último país do mundo a abolir a escravidão. Também muito distante do famoso quadro pintado por Pedro Américo, o “grito” de Independência não ocorreu em belas fardas na montada de cavalos, mas no deslocamento por burros em meio a chás contra diarreia.
Para além da narrativa inventada e diante da grave situação que vive o país hoje, cabe a nós nos perguntarmos neste 7 de setembro: como celebrar a Independência com 33 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome? Como falar em Independência com aproximadamente 125 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar (sem saber se terão garantida a próxima refeição)? Como “comemorar” a Independência com quase 700 mil mortes por covid (mais da metade delas evitáveis não fossem as incontáveis recusas de vacinas pelo Governo Federal)? Como falar de Independência em um país com 3% da população mundial e 10% das mortes por covid no mundo? Como exaltar a Independência em um país que desmata e queima – a taxas recordes – a Floresta Amazônica e a maior biodiversidade do planeta? Como tratar de Independência diante de um governo entreguista que abre mão da soberania nacional, fatiando e vendendo a preço de banana nossos campos de petróleo e refinarias? Como celebrar a Independência diante da atual política de preços da Petrobras que extorque o mercado interno para pagar dividendos recordes aos acionistas internacionais?
São incontáveis os questionamentos da população brasileira neste 7 de setembro, demonstrando como o atual governo debocha do povo ao “celebrar” uma independência recontada e distorcida. São 522 anos desde o descobrimento, mas 200 de “independência” e mais de 350 anos de escravidão. A histórica política de favorecimento das elites do país, a despeito das reais necessidades do povo brasileiro, continua sendo a realidade por de trás do patriotismo-entreguista de Bolsonaro. A Independência brasileira precisa refletir uma construção democrática que nasce do povo para o próprio povo, que se fundamenta na garantia de condições dignas de vida, com alimento na mesa, habitação de qualidade, saúde, educação e segurança. Precisamos de uma Independência que privilegie a democracia e a soberania nacional, tornando o país capaz de preservar direitos, gerar empregos e distribuir renda. Independência sem fome, com democracia e zelando pela Vida!
Sergio Luiz Leite, Serginho é Presidente da FEQUIMFAR e Vice-presidente da Força Sindical