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Negociação coletiva sem a participação sindical é fraude
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020
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A recente Reforma Trabalhista – Lei nº 13.467/207 e a MP 905, de 11 de novembro de 2019 (que poderá perder sua eficácia ou ser modificada devido ao grande número de emendas) propõe algumas alterações legislativas, dentre elas a possibilidade de o empregador negociar diretamente com o empregado em algumas ocasiões.
É certo que o empregador sempre pode negociar condições de trabalho diretamente com o empregado, conforme autoriza o caput do art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho com a restrição imposta pelo art. 468 do mesmo diploma legal, a saber:
CLT. “Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”
“Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. ”
Obviamente que a possibilidade negocial do empregador está adstrita ao contrato individual do trabalho, observado seu poder de organização e as suas peculiaridades relacionadas a cada empregado.
Assim, pós-reformas, o legislador autorizou duas modalidades distintas de negociação aos empregadores para se alcançar uma única finalidade, ou seja, poderão eles negociar individual ou coletivamente jornada de trabalho e/ou participação nos lucros e resultados.
Eis, na íntegra, os textos mencionados:
CLT. “Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”
CLT. “Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação”.
MP 905/2019. Lei 10.101/2000
Art. 10…
I-…
….
VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.
Consoante já fundamentado a participação sindical na negociação coletiva de trabalho não é uma faculdade, mas sim uma obrigatoriedade, um dever objetivando tutelar o trabalhador não o expondo diretamente ao empregador no ajuste de certas condições que podem envolver conflitos de interesses.
Diante disso é importante fazer a exata separação do que seja negociação coletiva de trabalho e negociação individual de trabalho.
Não há função mais importante de uma entidade sindical que a denominada “função negocial”, pois essa competência outorgada pela Constituição Federal tornam as entidades sindicais verdadeiros entes legiferantes, com a capacidade de criar normas que irão reger as condições de trabalho de variadas categorias. A Carta Magna condiciona a validade das normas coletivas à participação da entidade sindical representativa de trabalhadores no processo negocial, então, inexiste legalmente qualquer negociação coletiva levada a efeito sem a participação sindical.
A negociação coletiva objetiva garantir a equivalência entre os sujeitos contrapostos no processo negocial, evitando confrontos individualizados e dissimétricos, por isso nesse caso há a intervenção sindical obrigatória.
A não participação sindical na negociação coletiva, anula o pactuado e transmuda a sua natureza, que deixa de ser normativa e passa a ser contratual, da espécie individual, sujeitando-se, por isso aos ditames do art.468, da CLT, impondo que o ali estipulado só se aplicará aos contratos individuais de trabalho caso suas disposições sejam mais benéficas que as existentes em se tratando de alteração de jornada de trabalho. Se a regra, em se tratando de jornada e PLR, é uniforme devido às circunstâncias e o contexto, não há como tratá-la de forma individualizada com amparo legal.
Repita-se: não poderia o empregador se utilizar do texto legal simplesmente para excluir o sindicato de uma negociação que deveria necessariamente ser coletiva em razão do direito negociado e do contexto fático.
Para que, por exemplo, haja uma negociação individual de trabalho tratando de Participação nos Lucros e Resultados é preciso que haja, individualmente, uma aferição do índice de produtividade, bem como programa de metas, resultados e prazos pactuados previamente, com regras claras e objetivas, inclusive com a existência de mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado com cada um dos empregados e de forma diferenciada. Cumpridas essas formalidades legais poderá o empregador adotar o modo individual negocial. Lembrando ainda que a negociação individual acerca de PLR somente poderia ocorrer com aquele empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (Proposta da MP 905 modificar o § 10, do inciso I, do art. 10, da Lei 10.101/2000 supracitado)
E mais, a adoção de uma jornada 12 X 36 poderá ocorrer por negociação individual se a mesma for executada por um empregado de determinado setor, ao passo que se essa mesma jornada for implementada de maneira uniforme para todos ou parte dos (as) trabalhadores (as) de um setor há a necessária participação da entidade sindical na negociação por não se tratar de uma condição individualizada, mas que envolve um coletivo de trabalhadores.
Em contrapartida é vedado ao empregador, em se tratando de alteração de jornada de trabalho e participação nos lucros e resultados, adotar regras gerais e coletivas para todos os empregados ou para um grupo de empregados, de modo uniforme, sem a participação da correspondente entidade sindical profissional na negociação, eis que eventualmente assim sendo poderia ocorrer o desvirtuando na aplicação da Lei apenas e tão somente para favorecimento diante da assimetria entre as partes no sentido de impor condições de forma unilateral numa relação de desequilíbrio inconteste. Essa prática é vedada pelo art. 9º da CLT que assim dispõe:
“CLT. Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
Tecidas essas sucintas considerações, vê-se, dependendo do procedimento adotado e das implicações e consequências do ato, que não se pode excluir a possibilidade de eventual criminalização da conduta, com fundamento no art. 203 do Código Penal.
“Frustração de Direito Assegurado por Lei Trabalhista
Art. 203, do Código Penal
“Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência”
O texto da reforma e outros propostos no sentido de modificar direitos, elaborados de afogadilho, sem um debate mínimo e necessário só levaram a mais insegurança jurídica e à possibilidade de questionamentos judiciais que poderão fazer surgir enormes passivos trabalhistas.
Não se pode deslembrar que as reformas advindas devem, atendendo ao mandamento do “caput” do art. 7º da Constituição Federal, proporcionar condições que visem a melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais.
Tem-se, assim, que em nenhum momento os textos legais modificados pela reforma trabalhista e pela MP 905, autorizaram a utilização de uma condição ajustada coletivamente e unilateralmente pelo empregador ser adotada de forma individual tão somente para burlar a simetria que o legislador constitucional quis resguardar ao exigir a participação das entidades sindicais nas negociações coletivas de trabalho.
Cesar Augusto de Mello
advogado militante, consultor jurídico da Central Força Sindical, CNTQ, FEQUIMFAR, SindirefeiçõesSP e SindiLuta