A abolição da escravatura, há mais de 130 anos, não cicatrizou as feridas abertas pelos navios negreiros. A escravidão contemporânea condena trabalhadores — negros, pardos, do agreste, ribeirinhos e favelados — a jornadas extenuantes, sem salários e direitos e vivendo em condições subumanas. As políticas de combate ao trabalho análogo à escravidão, implementas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e aprofundadas nos governos do PT, sofreram um grande desmonte, após o golpe de 2016.
A Reforma Trabalhista de Michel Temer, que precarizou as relações de trabalho, e sucateamento dos órgãos fiscalizadores pelo governo Bolsonaro, abriram as portas à escravidão moderna. Para reverter a gravidade dessa situação, o governo Lula estuda medidas para erradicar o trabalho análogo à escravidão e promover o emprego decente no país.
Em apenas 79 dias de governo, 918 trabalhadores foram resgatados no país em condições semelhantes à escravidão. Esse número representa quase 40% do total de pessoas resgatadas no ano passado. A agropecuária é o setor econômico com o maior número de denúncias de trabalho escravo.
Mas a exploração não acontece só no campo. Na semana passada, a Polícia Federal estourou na cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, uma fábrica clandestina de cigarro. No local, foram resgatados 19 trabalhadores paraguaios, que entraram no país com os olhos vendados, não recebiam salários e dividiam o espaço com animais e esgoto a céu aberto. Os trabalhadores eram ameaçados, por homens encapuzados e armados.
O caso do Rio de Janeiro se assemelha a dos trabalhadores resgatados no Sul, torturados pelos seus feitores, donos da empresa terceirizada, que prestava serviço para as três maiores vinícolas do país. O escândalo gerou uma série de protestos. O cancelamento das empresas nas redes sociais custou mais que o TAC (Termo de Ajuste de Conduta) de R$ 7 milhões. Empresas que se beneficiam de trabalho escravo de terceirizadas têm de ser consideradas corresponsáveis, investigadas e punidas.
A miséria, a fome, a falta de educação e qualificação profissional empurram os mais vulneráveis para as ratoeiras dos senhores feudais. Acorrentados no porão da desigualdade social, o brasileiro sofre com a pressão de grupos econômicos poderosos, que defendem que a riqueza do país deve beneficiar quem investe e não as pessoas que trabalham.
Constatamos, assim, que nossos problemas vêm de longe e precisamos construir caminhos para mudar as concepções que há mais de um século desumanizam e precarizam o trabalhado no Brasil. Só com uma efetiva atuação da fiscalização do trabalho conseguiremos romper o legado sombrio da escravidão. O trabalhador precisa de dignidade e respeito.
Eusébio Luis Pinto Neto é Presidente da Federação Nacional dos Frentistas – Fenepospetro, e do Sindicato da categoria do Rio de Janeiro