A mídia, por sua vez, alimentou essa chama ao criticar incessantemente o governo de Dilma Rousseff, criando um ambiente propício para que os extremistas de direita buscassem ocupar espaços que haviam sido silenciados durante os anos da democracia.
A ineficácia do governo em lidar com as demandas populares – especialmente em um contexto onde as palavras de ordem como “Saúde e Educação padrão FIFA” ecoavam nas praças e avenidas – refletiu uma falta de habilidade política. O contraste entre os investimentos faraônicos em estádios para a Copa do Mundo e a carência nas áreas essenciais fez com que muitos se sentissem traídos. Assim nasceu, metaforicamente, o ninho da serpente: um espaço onde as ideias reacionárias poderiam germinar sem resistência.
No dia 17 de abril de 2016, a serpente colocou seu ovo no ninho cuidadosamente preparado. O voto do deputado Jair Messias Bolsonaro pelo impeachment da presidenta Dilma foi mais do que uma simples manifestação política; foi um ato simbólico que reverberou nas entranhas da história brasileira. Ao evocar a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – um torturador notório – Bolsonaro não apenas sinalizou sua aliança com a repressão militarista do passado; ele também depositou a semente de um novo autoritarismo.
Esse ovo, fecundado pelas frustrações e pelo ressentimento acumulado durante anos, adormeceu no inconsciente coletivo de parte da população do país até que, em 2018, se manifestou plenamente. A serpente rastejou até o Planalto Central e ocupou o poder com promessas populistas e discursos inflamados. Os quatro anos seguintes foram marcados por uma gestão protofascista que buscava reverter conquistas sociais e políticas duramente conquistadas.
Entretanto, como bem disse Karl Marx: “A história não se repete, a não ser como farsa.” O enredo burlesco da era Bolsonaro trouxe à tona uma resistência vigorosa por parte das forças progressistas. Após sucessivas derrotas eleitorais de ambos os lados e tentativas constantes de golpe contra a democracia, a luta pela sobrevivência tornou-se imperativa. O slogan “Antes que o animal cresça lhe corta a cabeça” ecoou entre movimentos sociais e a consciência democrática do país como um chamado à ação para enfrentar o monstro que ameaçava devorar o país.
A vitória eleitoral de Lula sobre Bolsonaro em 2022 representou uma vitória parcial nessa luta titânica contra os tentáculos da serpente. Contudo, é preciso estar consciente da persistência desse mal na sociedade brasileira; suas raízes são profundas e sua capacidade de regeneração é alarmante. O enfrentamento deve ser firme e decidido: não podemos permitir que essa serpente renasça.
Oxalá que estejamos prontos para esmagar sua cabeça com determinação e coragem. O Brasil não pode mais brincar com fogo; é hora de erradicar essa ameaça antes que ela encontre novamente espaço para se desenvolver nas sombras da nossa história.
Diógenes Sandim Martins é médico, diretor do Sindnapi e secretário-geral do CMI/SP