O que foi vivido em 2020 começa a aparecer nas estatísticas consolidadas pelos órgãos de pesquisa. Nos últimos dias o IBGE apontou uma queda do PIB de – 4,1% para 2020, a menor taxa da série histórica iniciada em 1996. Já a PNAD Contínua, também do IBGE, apontou que na média o desemprego foi de 13,5%, a maior taxa da série histórica iniciada em 2012. Em dezembro a taxa chegou a 13,9%, com mais de 14 milhões de desempregados.
O quadro no mundo do trabalho é perverso: o número de trabalhadores com carteira assinada diminuiu mais de 11%, o que significa que 3,8 milhões deixaram de ter um emprego protegido; de outro lado, aumentou em 1 milhão o número de trabalhadores sem carteira; cerca de 1,5 milhão se somaram ao contingente de trabalhadores por conta própria, que agora totaliza mais de 23 milhões de pessoas; 40% os ocupados são informais; 32 milhões de trabalhadores estão desocupados ou empregados em condições precárias, subutilizados com jornada de trabalho parcial ou emprego intermitente; mais de 8 milhões de pessoas foram para o home office; cerca de 11 milhões de trabalhadores colocados na inatividade em decorrência da necessidade de isolamento social; mais de 10 milhões tiveram seus contratos de trabalho suspensos ou reduziam a jornada de trabalho; mais de 67 milhões resistiram recebendo auxilio emergencial. Movimentos inéditos em quantidade, intensidade e velocidade.
Esse quadro poderia ter sido ainda muito pior. Diversos estudos indicam a relevância do auxílio emergencial de R$ 600,00, da proteção dos salários e dos empregos. Medidas propostas e defendidas pelas Centrais Sindicais, pelos movimentos sociais, partidos políticos, parlamentares, governadores e prefeitos. Estudos estimam que a sustentação da renda para o consumo das famílias foi essencial para que a crise não fosse ainda pior. Sem essas transferências de renda as estimativas indicam que a queda do PIB estaria no intervalo entre -8% a -14% em 2020, duas ou três vezes maior do que o tombo de -4,1%.
Porém, o país começa 2021 com fim do abono emergencial, do programa de proteção dos empregos e do apoio às empresas, o que já fez reduzir a renda disponível para o consumo das famílias e ampliou o fechamento de empresas. Mesmo com as recorrentes recomendações internacionais (FMI, Banco Mundial, OCDE, Cepal, entre outros) para se manter as políticas de proteção da renda, ao que se somam as propostas insistentemente apresentadas ao Congresso Nacional, o governo federal simplesmente encerrou esses programas e agora propõe retomá-los com amplitude muitíssimo menor.
Para além do desemprego aberto de mais de 14 milhões de pessoas, há o desemprego oculto que pode estar em torno de 10%. Ou seja, caso aqueles que estão obrigados à inatividade (cerca de 8,4 milhões de pessoas) ou desalentados (5,8 milhões) passassem a procurar ocupação laboral, a taxa de desemprego aberto subiria para próximo de 25%!
Esse quadro é ainda mais dramático para os jovens, mulheres e negros pois as desigualdades fazem para eles ainda maior o maior número de mortes, o desemprego, o aumento da pobreza e da miséria.
Toda essa situação requer uma atuação pública do Estado com urgência sanitária e social e com emergência econômica. Infelizmente o governo federal nega essa realidade e mobiliza o oposto de tudo que precisa ser feito. Há uma tragédia que o governo Bolsonaro contratou e promoveu e, infelizmente, as consequências sociais e econômicas serão cada vez piores.
Previsibilidade com boas estimativas é o que a sociedade deseja e espera. O que há, contudo, é a certeza do agravamento da crise sanitária, do aumento do número de infectados e de mortes, do altíssimo risco de o colapso do sistema de saúde se espalhar pelo país, da descoordenação das políticas públicas, tudo convergindo para a insegurança em relação à proteção da vida e da economia. O custo social e econômico do (des)governo federal é cada vez mais alto e talvez incalculável. Há em curso uma regressão social, econômica e civilizatória sem precedentes.
Esse contexto aponta para perspectivas muito ruins para 2021 e talvez 2022. As estimativas de crescimento econômico para 2021 estão entre 3% e 4%. Retirando os efeitos estatísticos desses números, o que sobra de crescimento real para 2021 é uma taxa menor do que 1% para o PIB, permanecendo o país na condição de semi-estagnação neste ano. No primeiro semestre está em curso uma nova recessão.
O agravamento da crise sanitária obrigará o lockdown (fechamento), gerando o efeito sanfona na economia, tornando desesperadora a situação para milhares de empresas. Os óbitos se multiplicam e o país já é o pior caso em número de mortes diários, superando os EUA. As novas cepas do covid-19 tornam o Brasil o centro da preocupação mundial segundo a OMS.
Nesse quando, o governo corta ainda mais os gastos sociais e os investimentos. Propõe novas regras ainda mais restritivas para o orçamento público. Há muita capacidade ociosa no sistema produtivo, o que desmotiva o investimento privado. A renda cai e a massa salarial diminui, o que retira potência do consumo das famílias. A inflação aumenta o custo de vida e arrocha a massa salarial real. Todas as locomotivas para a retomada do crescimento econômico estão travadas, desligadas ou desmobilizadas. Sem planejamento e Estado atuante na proteção social e em iniciativas econômicas anticíclicas, uma tragédia ainda maior será inevitável.
A atuação dos Governadores, Prefeitos e do Congresso Nacional é essencial para suprir em parte a criminosa inoperância do governo federal, assim como será fundamental a sociedade ampliar sua mobilização contra essa situação. É nesse contexto de adversidade absoluta que se deve gerar força social para resistir à morte, à recessão e ao desemprego, recuperar o país da destruição em curso e recoloca-lo em uma nova trajetória de desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Clemente Ganz Lúcio, sociólogo, consultor e professor, assessor das Centrais Sindicais