A hegemonia neoliberal nas últimas quatro décadas promoveu transformações regressivas para o desenvolvimento social e o aumento de diversas formas de desigualdades econômicas em muitos países. As reformas laborais fizeram parte desse cardápio destrutivo e avançaram, em espacial, a partir da crise internacional de 2008. O objetivo tem sido o de reduzir o custo do trabalho, criando a máxima flexibilidade para a alocação da mão de obra, com diversas formas de contrato e de ajustes da jornada de trabalho; permitir e reduzir os custos de demissão, sem acumular passivos trabalhistas; restringir o poder das negociações, inibindo o poder dos contratos ou convenções setoriais e gerais em favor de acordos por empresa, realizados com representações laborais controladas; quebrar os sindicatos; limitar a regulação do Estado e a atuação da Justiça.
A Espanha realizou nas quatro últimas décadas mais de 50 alterações na regulação laboral, sendo a de 2012 uma ampla mudança para flexibilizar ainda mais os contratos laborais, estimular o trabalho temporário e de curta duração, facilitar demissões, dar prevalência aos acordos por empresa, inclusive para reduzir salários.
Os resultados logo apareceram: o desemprego passou de 21% para 27%, motivado pela redução do custo de demissão dos trabalhadores com contratos de prazo indeterminado e depois caiu para 18% em decorrência do surgimento de empregos predominantemente precários, temporários, inseguros e de curta duração. Resultado: arrocho salarial e precarização dos empregos que reduziram a massa de rendimentos do trabalho, deprimiram a capacidade de consumo do mercado interno, enfraqueceram a demanda, aumentaram a pobreza e a desigualdade.
Recordemos que as reformas trabalhistas espanholas inspiraram o Governo Temer a seguir o mesmo caminho, materializado nas Leis 13.429 e 13.467/2017 – terceirização e reforma trabalhista; e o Governo Bolsonaro a continuar e ampliar seu escopo e abrangência, inclusive durante a pandemia do novo coronavírus. Não satisfeitos com o maior retrocesso trabalhista da nossa história, em novembro passado, o Ministério do Trabalho apresentou as novas propostas, elaborada por um Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET), para avançar e concluir a reforma trabalhista de 2017, cimentando as bases que flexibiliza e amplia as formas precárias de contratação, de jornada, de direitos reduzidos, de desproteção, com muita informalidade das ocupações e com a exclusão dos sindicatos.
Há um número crescente de iniciativas rompendo com o anacronismo neoliberal, em especial para enfrentar e superar a crise sanitária mundial e seus reflexos sobre a dinâmica econômica. Medidas que retomam o protagonismo do Estado para promover políticas públicas de desenvolvimento produtivo e industrial; para o fortalecimento das políticas sociais; para favorecer ao comércio no âmbito dos blocos econômicos regionais e encurtar os fluxos das cadeias globais de valor; para reverter privatizações, entre outros.
Uma boa notícia no campo laboral chega da Espanha. Depois de nove meses de negociação tripartite entre o governo espanhol e as entidades sindicais (CCOO e UGT) e empresarias (CEOE e CEPYME), celebrou-se no dia 22 de dezembro, naquele país, um acordo inédito e ambicioso que muda a trajetória do sistema de regulação laboral e de relações de trabalho, em seguida aprovado pelo Conselho de Ministros na forma de Real Decreto-Lei (algo semelhante a uma Medida Provisória brasileira). A legitimidade social e política do acordo que envolve a representação dos trabalhadores e empregadores favorecerá sua apreciação pelo Congresso.
Destaque-se que esse acordo vem na continuidade de outras importantes medidas tomadas em 2021, tais como: novo aumento do salário mínimo que passou para 935 Euros (cerca de R$ 6 mil), política de valorização que promoveu aumento real de 31% em relação à 2019; regulação do teletrabalho (home office), garantindo proteções laborais e previdenciárias idênticas àqueles que trabalham nas sedes das empresas e direito à desconexão; ampliação das políticas de formação e inserção profissional, com ênfase para os jovens; mudanças radicais nas políticas ativas para a geração de emprego, criando a Agenda Espanhola de Emprego; novas políticas de inspeção do trabalho, com prioridade para combater a precarização do trabalho entre os jovens; política de igualdade salarial entre homens e mulheres; fortalecimento da economia solidária, entre outras importante medidas.
Agora o acordo espanhol recupera a centralidade do diálogo tripartite para a formulação das políticas públicas e fortalece a negociação coletiva, retoma a valorização dos sindicatos e afirma a prevalência dos contratos coletivos setoriais sobre os acordos por empresa, ampliando sua eficácia para todos os trabalhadores e terceirizados. Novas regras definem como padrão os contratos de trabalho com prazo indeterminado, limitando aos casos específicos o uso do contrato temporário e de prazo determinado e desincentivando os de curto prazo; há medidas para combater a rotatividade e a informalidade; fortalecimento das políticas de proteção dos empregos; inclusão da formação profissional como parte do contrato de trabalho e direito do trabalhador; criação de medidas para inibir demissões; foram revogadas regras que autorizavam a demissão de trabalhadores do setor público; criaram-se mecanismos, por meio da negociação e de políticas públicas, para proteger os empregos diante de crises, entre outras medidas.
As inúmeras iniciativas e experiências em curso em vários países podem contribuir para qualificar a debate público e inspirar as propostas e projetos que serão apresentados durante o processo eleitoral em nosso país. Espero que a nação escolha pelo voto a mudança de rumo que nos conduzirá para o caminho do desenvolvimento econômico e socioambiental para todos.
Clemente Ganz Lúcio
sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, ex-diretor técnico do DIEESE, consultor, professor e assessor das Centrais Sindicais – (2clemente@uol.com.br)
Fonte: Poder 360º