A grande imprensa, porta voz dos interesses da elite brasileira, vem repercutindo intensamente (repetida por bloguistas e influenciadores mal informados) o julgamento do Supremo Tribunal Federal – STF, de uma ação movida pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba, que defende o pagamento da contribuição assistencial por todos os trabalhadores. Provoca, essa imprensa, confusão entre o antigo imposto sindical com a contribuição assistencial (ou negocial como vem sendo chamada), com o intuito de jogar a população contra as organizações sindicais.
A contribuição que está sendo discutida é a assistencial e não a contribuição sindical – nova denominação do antigo imposto sindical (criado por Getúlio Vargas para organizar o movimento sindical oficial e acabar com os sindicatos anarquistas e comunistas, que existiam à época).
O que a grande imprensa direitista pretende é enfraquecer os sindicatos e com isso a luta política classista, confundindo uma contribuição com a outra. Nem o movimento sindical quer mais o imposto sindical, que era um dia de salário, descontado de todos os trabalhadores no mês de março, que era dividido automaticamente sendo: 60% para o sindicato de base, 15% para a federação do setor, 5% para a confederação do ramo e 20% para o Ministério do Trabalho, que depois do primeiro governo de Lula foram divididos 10% para as centrais sindicais e os outros 10% para o MTE. Esse imposto realmente provocou, em muitos casos, a acomodação de dirigentes e o distanciamento dos trabalhadores da base, com eventual e pontual má utilização dessas verbas por sindicalistas descompromissados com os trabalhadores.
Lembrando aqui, em parênteses, que os dirigentes sindicais combativos e comprometidos com a luta dos trabalhadores até abril de 1964, tiveram seus mandatos cassados e foram afastados da direção das suas entidades sindicais pelo golpe civil-militar de 1964, sendo substituídos por interventores, alinhados com o Governo. Essa situação perdurou por quase 20 anos e até estendeu-se em algumas organizações.
É preciso esclarecer amplamente os trabalhadores e a sociedade de hoje, que a contribuição assistencial está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e seu valor é decidido em assembleia, por ocasião da aprovação da negociação de convenção coletiva de trabalho, ou do acordo coletivo de trabalho. Assim como os reajustes salariais, pisos profissionais, condições de trabalho e demais benefícios sociais, de saúde e segurança e assistenciais abrangem 100% dos trabalhadores daquela determinada categoria (independentemente de serem associados ou não ao sindicato), a contribuição assistencial sempre teve essa abrangência universal na forma de cotização, com a finalidade de dar condições aos sindicatos para disponibilizarem serviços, como assistência jurídica, homologação das rescisões de contrato de trabalho, previstos na CLT e obrigatórios até pouco tempo, a qualquer trabalhador, independente de ser filiado.
Por atuação de empresários, ávidos em aumentar seus lucros através da precarização dos direitos laborais, começaram a surgir reclamações do desconto dessa contribuição (especialmente pelo pessoal administrativo), junto ao Ministério Público do Trabalho (que passou a exigir termos de ajuste de conduta dos sindicatos) e em ações judiciais, o que levou os juízes ao entendimento majoritário (que consolidou-se em Enunciados do TST e Súmulas do STF) de que os trabalhadores tinham direito a manifestar individualmente oposição ao desconto dessa contribuição e que essa possibilidade deveria constar na cláusula da contribuição assistencial, sob pena de invalidação da mesma.
A partir dessas decisões, impulsionadas por advogados patronais, esse direito a não pagar a contribuição assistencial foi amplamente divulgado e incentivado por algumas empresas (numa flagrante conduta antissindical e sem o mesmo tratamento para os outros direitos contidos nos instrumentos coletivos de trabalho), e uma grande parte dos trabalhadores passou a entregar carta de oposição ao desconto nos sindicatos, muitas vezes transportados em massa em veículos das empresas, durante expediente de trabalho.
Não é preciso esforço para imaginar o quanto isso diminuiu a capacidade de ação sindical e quão injusto ficou para os associados que, além dessa contribuição ainda pagam a mensalidade sindical, receber os mesmos benefícios da convenção coletiva (que via de regra estão acima dos direitos garantidos na CLT), enquanto seus colegas de trabalho não precisavam contribuir com nada para o Sindicato e recebiam os mesmos direitos e tratamento.
Então, o que se está tentando corrigir com esse julgamento é um erro anterior que está inviabilizando a atuação sindical, tão necessária para manter o mínimo de equilíbrio entre as relações capital e trabalho. Se o Ministro Barroso mudou o seu entendimento, foi graças a uma reunião que teve com representantes das centrais sindicais, que elucidaram o assunto, tão distante de compreensão para quem não vive no mundo do trabalho. O resultado desse julgamento será estendido a todos os outros processos sobre o mesmo tema e firmará jurisprudência (repercussão geral).
Importante notar que a mesma imprensa jamais debruçou-se em investigar as formas de financiamento das entidades sindicais patronais que, além de não terem perdido a obrigatoriedade do desconto da contribuição sindical patronal ainda estipulam outras contribuições obrigatórias para as empresas, sejam suas associadas ou não. Também utilizam-se da verba compulsória paga pelas empresas sobre a folha de pagamento, destinada à formação profissional e que mantém o denominado Sistema “S” (SESC, SENAI, SENAC, SEBRAE, SESI, SENAR, etc…), para a manutenção das suas estruturas confederativas.
Devem ser enaltecidos não apenas o Ministro Barroso, mas os ministros Gilmar Mendes e Carmen Lúcia, que também reviram sua posição anterior para entender a importância da contribuição assistencial para manter as entidades sindicais funcionando e prestando serviços, não apenas aos trabalhadores da sua categoria, mas também à coletividade e que, para isso, é necessário o financiamento por todos os trabalhadores beneficiados por aquele sindicato, sejam eles sócios ou não (o que é um direito a ser por eles livremente exercido). O direito de oposição ao pagamento deve permanecer, não de forma individual, pressionada pelo patrão ou por suas necessidades, mas de forma coletiva, como sempre foi, em assembleia da negociação coletiva, onde todos os trabalhadores, sócios e não sócios, tem a oportunidade de expressar livremente a sua opinião e votar de acordo com ela.
Os sindicatos são instrumentos de organização dos interesses dos trabalhadores e numa democracia, a opinião e o voto da maioria deve prevalecer e ser respeitado por todos, mesmo aqueles que perderam, ou não vivemos uma real democracia.
Ruth Coelho Monteiro, Secretária de Cidadania e Direitos Humanos da Força Sindical