Compreender a negociação coletiva como um bom instrumento para tratar das questões do mundo do trabalho e das relações laborais é um princípio fundamental para estruturar estratégias e projetos nacionais de desenvolvimento econômico, de equidade e justiça social e para o fortalecimento das democracias. As Centrais Sindicais indicam esse princípio nas diretrizes propositivas que estão na Pauta da Classe Trabalhadora 2022[1].
Nas últimas quatro décadas observa-se mudanças regressivas importantes nos sistemas e processos de negociação coletiva em decorrência da expansão dos valores e práticas neoliberais. Um estudo da OCDE[2] mapeou e analisou o estado da arte dos sistemas de negociação coletiva nos países que a compõem e indicou diretrizes para as estratégias futuras, considerando a valorização e fortalecimento do diálogo social em um contexto de profundas mudanças no mundo do trabalho.
A organização sindical, que expressa a voz os trabalhadores, e a negociação coletiva são direitos trabalhistas fundamentais para a promoção de uma dinâmica laboral inclusiva, assim define o estudo da OCDE. Esse princípio vem sendo enfraquecido por inciativas que desprezam a representação coletiva dos trabalhadores e atuam no sentido contrário, incentivando e promovendo um individualismo exacerbado nas relações laborais e enfraquecendo a atuação dos sindicatos. Quebram-se intencionalmente os meios que os sindicatos têm de se colocarem como um escudo protetor coletivo, algo que se expressa, por exemplo, na queda da densidade sindical[3]. As velhas e novas formas de ocupação e de emprego, potencializadas pela digitalização da economia, predominantemente precárias e informais, ampliam os desafios para a representação coletiva e a consecução da negociação coletiva para regular as relações de trabalho, incluindo aquelas que não são assalariadas clássicas. Observa-se nos países da OCDE, por exemplo, a redução da taxa de cobertura dos contratos coletivos de trabalho (de 45% em 1985 para 32% em 2017).
Os permanentes conflitos presentes nas relações de trabalho em termos de gestão, condições de trabalho e disputas distributivas se ampliam diante das novas realidades que combinam a ampliação do uso da tecnologia, intensificação laboral e as formas precárias e flexíveis de vínculos. São crescentes os riscos de os conflitos laborais ficarem sem instrumentos institucionais (sindicatos, negociação coletiva, instrumentos de mediação, entre outros) que sejam capazes de dar tratamento aos problemas, pactuar solução e formular perspectiva de futuro.
O desafio é o de prospectar as tendências do mundo do trabalho e de conceber e projetar sistemas de relações laborais que sejam capazes de construir soluções mútuas, respostas que são sempre provisórias diante de mudanças permanentes no mundo do trabalho e dos interesses que mudam em cada novo contexto. Para processos contínuos de relações de trabalho é necessário fortalecer sistemas permanentes de negociação coletiva e de reestruturação de sistema sindical.
Se de um lado as empresas e o sistema produtivo demandam flexibilidade para atuar frente às inovações tecnológicas, de outro lado, diante da precarização e múltiplas formas de inserção laboral, os trabalhadores demandam proteções. Esses interesses das partes interessadas, trabalhadores e empregadores, devem ser tratados pela representação coletiva fortalecida e por meio de sistemas de negociação coletiva valorizados, capazes de reverter a queda na densidade sindical e na cobertura dos contratos coletivos de trabalho.
Clemente Ganz Lucio, sociólogo, consultor, assessor do Fórum das Centrais Sindicais e ex-diretor técnico do DIEESE
[1] Documento que apresenta 63 diretrizes para o desenvolvimento do Brasil, lançado na CONCLAT no dia 07 de abril.
[2] OECD (2019), “Negotiating Our Way Up: Collective Bargaining in a Changing World of Work”, OECD Publishing, Paris.
[3] A taxa de sindicalização média caiu de 33% (1975) para 16% (2018) nos países da OCDE.