Ontem o governo apresentou as propostas para a Reforma da Previdência. Em realidade, Temer e sua equipe econômica colocaram sobre a mesa um prato-feito com a apimentada ideia da aposentadoria somente com idade mínima de 65 anos e o mínimo de 25 de contribuição.
A apresentação foi muito rápida, sem margem para discussão, numa postura intransigente base do “coma assim ou passe fome”. Tudo para que seja levado ao forno do Congresso. Mas a questão é muito profunda para ser tratada de maneira fast-food. É preciso mastigar bastante para que se torne minimamente aceitável, de modo que não comprometa o futuro do trabalhador.
O Sindicato Nacional dos Aposentados, em conjunto com a Central Força Sindical, compreende a necessidade de ajustes no sistema previdenciário, no entanto, ajustar não pode significar sucatear, suprimir ou torná-la quase inacessível.
Um dos argumentos do governo para a idade mínima de 65 anos é de que na Europa os países já estão caminhando nesse sentido. O grande problema é que em outros países, desenvolvidos, as pessoas contam com serviços e amparos do Estado, que os brasileiros não contam por aqui.
É bem verdade que o brasileiro está vivendo mais, porém, viver mais não é sinônimo de viver bem. Por isso é inaceitável comparar a realidade brasileira com a de países em que a cidadania não é uma ideia utópica.
Recente pesquisa apontou que 44% dos brasileiros começam a trabalhar antes dos 14 anos, fato que, além de desumano, no contexto da previdência, reforça a tese de que a idade mínima penalizará os pobres, que ingressam previamente no mercado e, assim, consequentemente, contribuirão mais tempo.
Vale ressaltar que de acordo com a legislação, somente a partir dos 16 anos é que o jovem pode ser registrado.
Em suma, caso seja aprovada a idade mínima, os filhos dos mais favorecidos, dos ricos e das classes médias, que ingressam no mercado mais tarde, geralmente depois de cursar uma faculdade, terão seus direitos previdenciários sustentados, em parte, pelas contribuições dos filhos dos pobres.
Um dos principais argumentos do governo para justificar a Reforma da Previdência se estabelece pela equação de que cada vez mais cresce a população idosa e diminui o número de novos trabalhadores no mercado. Evidente que é um fato a ser considerando, mas precisa ser relativizado, pois a equipe econômica de Temer também se alicerça em projeções questionáveis para ratificar a necessidade de se fazer a Reforma a qualquer custo.
Utilizam como base o número de idosos em 2060, desconsiderando o contexto de que a sustentabilidade da Previdência também se relaciona diretamente ao número de trabalhadores formais e que, daqui a 42 anos, as relações de trabalho poderão ser totalmente diferentes das estabelecidas atualmente, o país poderá retomar o crescimento, dentre tantas outras variáveis que poderão acontecer e alterar qualquer projeção.
Não dá para determinar o fim da Previdência com base numa projeção do futuro, como se lendo os astros ou o horóscopo. É demasiadamente simplista ou demasiadamente maquiavélica.
Aposentadorias a partir de 65 anos para homens e mulheres também necessitam de amplo debate para compreender situações de trabalhadores de setores pesados como a construção civil, operários de linha de produção, entre outras profissões que exigem vigor físico.
Além das limitações do corpo, é importante lembrar que atualmente existem 12 milhões de cidadãos em idade ativa que estão desempregados.
Se não há emprego nem para os que estão com menos de 40 anos, não precisa ser sociólogo para projetar o futuro tenebroso que virá para completar 35 anos de contribuição e 65 anos de idade para se aposentar.
Diante de uma população que sofre faminta por empregos, com o país estagnado, com achatamento da qualidade de vida, Temer chega com seu cardápio neoliberal e apresenta um prato-feito, requentado, apimentado e indigesto.
Carlos Ortiz é presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos e ex-Secretário de Emprego e Renda do Governo do Estado de São Paulo.