Entre as primeiras regras impostas pela proprietária, estava a proibição do namoro. Os relacionamentos monetizados eram permitidos. O valor do programa era anotado por ela no caderno de controle, onde o crédito passava do garimpeiro para a cozinheira. Na hora de acertar as contas, Raimunda cobrava primeiro o que o trabalhador devia a ela. Sobrando, as mulheres recebiam pelos programas.
Havia casais que namoravam na clandestinidade. Se descobertos, ou a mulher era expulsa, ou o casal era separado em frentes de extração distantes.
Alguns trabalhadores relatam que era proibido trazer comida ou bebida de fora, sob o risco de os produtos serem confiscados na revista à qual foram submetidos na portaria. Regra que os obrigava a comprar da venda que fica dentro da casa de Raimunda, onde tudo vale ouro.
Uma garrafa de cachaça sai por uma grama, cerca de R$ 100. Um pacote com 12 latas de cerveja, dois gramas, R$ 200. Os preços na cantina e na farmácia eram de cinco a dez vezes maiores que os da cidade, segundo apuraram os fiscais do trabalho, que encontraram vários itens com a validade vencida. A maioria dos trabalhadores, porém, nem sabia os valores. “A gente pergunta o preço das coisas, ela dá de costas”, diz um garimpeiro.
Equipamentos de trabalho também eram vendidos por preços altos. Segundo um trabalhador, as botas custavam 2,5 gramas (R$ 250). Talvez por isso a maioria deles trabalhava descalça, com as pernas enfiadas na lama, onde muitas vezes cai o mercúrio utilizado para separar o ouro. Entre os resgatados, um senhor tinha os pés e as pernas cobertos de machucados e erupções.
"Quem é doido de mexer com uma diaba daquela?"
A regra que mais gerava indignação era a proibição em usar a internet ou o rádio na sede. Para falar com a família, eles precisavam pagar quatro gramas (R$ 400) para ir e voltar ao ponto onde Raimunda autorizava o uso o rádio.
Uma das mulheres que mais têm experiência em outros garimpos fez uma rica leitura de como Raimunda operava: “Ali todo mundo tem livre arbítrio, ninguém é obrigado a nada. Mas a situação não te deixa outra opção”, ela diz. “É assim. Tu não é obrigada a pagar pra falar com a família, mas a outra opção é andar 30 quilômetros embaixo do sol. Só de ida. Do mesmo modo, ninguém te impõe a prostituição. Mas o gerente fica no teu ouvido toda noite, insistindo. Ele pode te queimar, tu não pode perder a vaga, acaba se submetendo. Mas a mulher é esperta, o cabra gosta, e ela começa a pedir pra ele comprar um monte de coisa, como agrado. O garimpeiro vai pegando da cantina sem nem saber a conta. Pra mim, tudo isso aí é um grande comércio”.
Pior do que trabalhar e gastar tudo no garimpo, é trabalhar e economizar, mas mesmo assim não receber. Foi a situação relatada por um trabalhador que, quando quis sair, não conseguiu receber de Raimunda. No dia do acerto das contas, ele ouviu da proprietária que não havia ouro para lhe pagar. “Ela disse pra voltar pro trabalho, eu voltei”, ele diz.
Por que não contestou? Exigiu o seu pagamento? “Ninguém tem essa força ali, dona”, ele responde, incomodado. “Acho que a senhora ainda não sabe de metade da história. Quem é doido de mexer com uma diaba daquela?”
Raimunda não é bem quista pelos funcionários. Nem mesmo um dos seus empregados de confiança, que trabalha como operador de máquinas, encontrou palavras boas para descrevê-la. Falando com ênfase positiva, como quem faz um elogio, ele disse: “ela é uma mulher dura. Muito dura”.