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Filmes
Dica de filme: Ruth & Alex
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Filmes
EUA, 2014
Richard Loncraine
Morgan Freeman e Diane Keaton
Quanto tempo leva para construir uma vida? E quanto tempo leva para que ela se dissolva? Estes são alguns dos temas abordados no filme “Ruth & Alex”, que narra a história de um casal de idosos diante de um novo dilema.
Na trama, eles vivem há 40 anos em um mesmo apartamento, mas começam a pensar em vendê-lo, frente a dois motivos: 1) a idade avançada, morando no quinto andar de um prédio sem elevador; 2) pela oferta tentadora de US$ 1 milhão de dólares no apartamento no Brooklin, que abre a possibilidade de comprar em lugares mais glamorosos, conforme o desejo de Ruth.
Por mais que exista uma razão física e outra financeira, a decisão de vender um imóvel em que se constituiu praticamente uma vida inteira não é tarefa simples, pragmática, impessoal. Sendo os humanos contraditórios, seres em conflito, a praticidade dos argumentos começa a perder espaço para os sentimentais. A possibilidade da venda os colocou em sintonia com o passado: relembraram a juventude, o tempo em que compraram o imóvel, os consequentes desafios, as situações vividas, assim como acontece na maioria dos destinos das pessoas, tão iguais, mas ao mesmo tempo, tão infinitamente particulares.
Sem filhos, Ruth aposentou-se como professora infantil e Alex é artista plástico, que sempre se encantou com a paisagem através da janela do seu ateliê, constituído em um dos quartos do apartamento. Além do espaço de trabalho, contam também uma cobertura simples, mas aconchegante e encantadora, que permite reuniões com os amigos, pequenas plantações e ambiente ideal para contemplação.
Em meio ao turbilhão de sentimentos de perdas, memórias do passado e as perspectivas do futuro, o casal enfrenta o apetite voraz do mercado imobiliário, “da força da grana que ergue e destrói coisas belas” (Caetano Veloso, in Sampa). O capital é personificado na corretora de imóveis, sobrinha de Ruth, muito bem interpretada por Cynthia Nixon (vencedora dos prêmios Tony e o Emmy pela atuação na série “Sex and the City”), que injeta ritmo nas falas, pilha as situações e mentes, acelera a trama, interfere nas decisões e, de certa forma, invade a privacidade do casal, que por alguns instantes sentem suas vidas escorrerem pelas mãos.
A presença da corretora provoca estranhamento no casal, pois muitas vezes os argumentos e palpites colocam à prova a capacidade dos idosos decidirem sobre o destino de suas vidas. Boa reflexão sobre a velhice, uma vez que, se o tempo nos torna sábios, porque os jovens insistem, erroneamente, em tratar os idosos como crianças? E a velhice não é sinônimo de incapacidade.
Além da corretora, com a eventual venda, Ruth e Alex passam a conviver com um exército de estranhos composto de possíveis compradores, que começam a visitar o imóvel. Essa situação abre as portas não só as portas do apartamento, mas também da sociedade, revelando tipos estranhos: a mulher que não tem dinheiro para comprar, mas que ocupa seus dias visitando open houses; os que desejam quebrar as paredes, redecorar tudo e imprimir a sua marca; os que não tem dinheiro para comprar, porém adoram entrar nos lugares à venda; dentre tantos outros personagens, que formam um painel da sociedade contemporânea, em contraste com os idosos um dia vanguardistas nos anos 70.
Ainda que pontual, porém, profundo, outro tema abordado por Loncraine é a questão racial. Alex é negro, e Ruth, branca. Nos flashbacks de suas vidas, na década de 70, lembram-se de como foi quando Ruth comunicou à família de que se casaria com Alex. A discussão não se aprofunda, mas é colocada na mesa e tem relevância na trama, quando relacionada com a força que tiveram para superar os problemas da vida e os impostos pela sociedade.
“Ruth e Alex” é encantador e até chega a emocionar quando expõe os vínculos que se formam na vida de casal, os materiais que acumulamos, repletos de significados, os momentos vivenciados e coloca-nos a pensar que com uma simples assinatura tudo pode se dissolver para dar lugar à uma nova vida e novos sonhos e novos projetos, que um dia também irão de desmanchar no ar, na dialética constante da vida.
Se por um lado emociona, quando se projetam os laços, os vínculos e o amor que existe entre o casal, em contrapartida, mesmo com Morgan Freeman e Diane Keaton, em alguns momentos a trama se arrasta, perde um fio que poderia ser melhor explorada e fica longe daqueles filmes que fascinam. Em “Ruth e Alex” o filme encanta, porém, termina quando acaba.
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Ricardo Flaitt é jornalista (MTb 40.939), estudante de História, colunista de cinema nos sites Brasil 247, Cinezen Cultural (Santos-SP) e Força Sindical. Contato: flaitt.ricardo@gmail.com